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NACIONAL - Ecossocialismo: Caricato é o pré-conceito

De: - EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
Date: 06-fev-03

Em artigo publicado na EcoAgência de Notícias, sob o título Ecossocialismo tem visão caricatural do movimento ambientalista (http:\\www.ecoagencia.com.br\fsm4\00000092.htm), o Sr. Antônio Madalena analisa a exposição do teórico marxista Michel Lowy na oficina a "A sustentabilidade pelo ecossocialismo", promovida pelo CEA - Centro de Estudos Ambientais e o Terrazul, no III FSM de Porto Alegre. A oficina ocorreu nos dias 26 e 27 de janeiro, e participaram dela aproximadamente 300 pessoas de 16 Estados brasileiros. O evento debateu e analisou quatro temas principais, e entre painelistas e debatedores participaram da mesa dos trabalhos 12 pessoas, com opiniões diversas e que contribuíram para o debate e a investigação, posicionada sim, no ecossocialismo, mas aberta e não dogmática. O seu primeiro resultado é a formação da Rede Brasil de Ecossocialistas e a Declaração de Princípios e Objetivos da Rede, documento que reflete o pensamento construído durante os trabalhos e possibilita um debate, não localizado e/ou pinçado pontualmente, que se não feito no seu conjunto, pode transmitir uma visão parcial e distorcida.

É possível sim, aproximar ecologia e marxismo, muito mais por que possuem objetivos comuns, e menos pela publicação no mesmo ano do livro I de O Capital e da criação do termo ecologia, respectivamente por Marx e Haeckel. "O socialismo e a ecologia - ou pelo menos, algumas de suas correntes - são cada um à sua maneira, herdeiros da crítica romântica. Seus objetivos comuns implicam a superação da racionalidade instrumental, da autonomização da economia, do reino da qualificação, da produção como objetivo em si, da ditadura do dinheiro, da redução do universo social ao cálculo das margens de rentabilidade e à necessidade da acumulação do capital. Tanto o socialismo como a ecologia reivindicam valores qualitativos: o valor de uso, a satisfação das necessidades, a igualdade social para o primeiro, a salvaguarda da natureza e o equilíbrio ecológico para a segunda. Também concebem a economia como "encaixada" no meio ambiente social e natural. O objetivo comum poderia ser, como escreve Mitzman, substituir os atuais valores dominantes de crescimento econômico linear e de enriquecimento pessoal, de competitividade impiedosa e de divisão do mundo entre ganhadores e perdedores, por valores orientados para a harmonia social e para a solidariedade, baseados no respeito pela natureza, no caráter cíclico da vida em geral."¹

A produção teórica e programática de Michel Lowy, esclarece as imprecisões de interpretação de Antônio Madalena. Vejamos:

"Marx e Engels perceberam a tendência da economia capitalista para destruir a natureza. Até o final de sua vida, Engels esboçou uma visão clara do alto preço que a humanidade poderia chegar a pagar por dominar as forças da natureza. Contudo estes germes de consciência praticamente não foram desenvolvidos pelo movimento operário organizado nem pelos teóricos marxistas posteriores. Pelo contrário, estes, ...se deixaram arrastar por uma concepção do socialismo que alijava toda inclusão dos custos ecológicos de seu modelo econômico. O socialismo de hoje têm, pois uma verdadeira dívida com os ecologistas contemporâneos, que assumiram e ampliaram a consciência ecológica dos socialistas do século XIX. A revisão da doutrina socialista nesse sentido é um trabalho indispensável de autocrítica e responsabilidade.²

"Apesar do desaparecimento da URSS e da maior parte da sociedades que se reclamavam do modelo soviético, é necessário voltar brevemente para suas políticas aplicadas ao meio ambiente. O balanço ecológico da URSS deixou claro que o estado do meio ambiente sob uma economia burocrática de planejamento centralizado não é de nenhuma maneira melhor que no capitalismo. Pelo menos no que diz respeito a contaminação do ar, da água, da terra e da poluição nuclear - Chernobyl! - assim como os problemas dos centros urbanos, a situação é ainda pior que nas metrópoles imperialistas."³

"A palavra "Produtivismo", ... traduz - as vezes de forma confusa - um aspecto da irracionalidade do sistema capitalista. Em vez de criar progresso social, o desenvolvimento da produtividade conduz a intensificação a exploração da força de trabalho, a soluções de produção desconexas das necessidades sociais e ecológicas e as crises crônicas de superprodução. A produção funciona como se ela mesma fosse seu próprio objetivo."4

Agora, somente o pré-conceito, para atribuir a Michel Lowy a questão da essência do peixe. Esta abordagem foi feita por outro debatedor. Porém parece que em vez de buscar as conexões entre socialismo e ecologia, somar, reforçar a luta pela sustentabilidade planetária, o que interessa a Madalena é ser um "crítico" do ecossocialismo. Mas sobre o peixe, lembrado através de uma passagem da Ideologia Alemã, por Cláudio Hiran. A referência teve exatamente o sentido de afastar o pensamento escolástico e realçar uma das principais contribuições de Marx: não há essência separada da existência. Utilizou o exemplo do peixe para demonstrar que, inclusive, as mutações genéticas que hoje são constatadas, inclusive a transmutação sexual que algumas espécies apresentam, não estão dissociadas do meio (existência) em que o peixe habita. Essa ligação(essência-existência) tem em relação ao ser humano a constatação de Marx do fato de a sua essência estar ligada ao seu "ser social". Se não fosse assim, então poderíamos dizer que um clone teria a mesma essência do clonado, a mesma vida, a mesma história, os mesmos sentimentos e desejos etc.

Para o ecossocialismo, a sustentabilidade sócio-ambiental é incompatível com o capitalismo nas suas duas vertentes, a neoliberal e social-democrata. A preocupação com o enriquecimento imediato, inerente à lógica do mercado e do lucro, deve deixar de constituir a base dos valores da humanidade. A separação dos seres humanos da terra está na origem e no cerne da sociedade capitalista. A lógica da concorrência impôs ritmos intensos ao processo de produção, incompatíveis com os fluxos de matéria e energia de cada ecossistema, com o equilíbrio psicoafetivo do trabalhador e com os ritmos próprios à vida de cada povo e cultura.

O ecossocialismo entende que, mais importante do que simplesmente definir genericamente que o ser humano está destruindo a natureza, diluindo as responsabilidades pela devastação do planeta é preciso apontar as responsabilidades e alternativas de mudanças verdadeiras, e não meras amenizações ou maquiagens de problemas. No capitalismo, fundado no lucro e na propriedade privada, a natureza não está igualmente a disposição do ser humano. A propriedade privada da natureza, permite aos seus "proprietários" a retirada individual ou grupal dos lucros, deixando os custos ambientais para a sociedade e demais seres prejudicados.

A utopia de um socialismo verde ou de um comunismo solar não significa que não se deva agir desde agora. Não ter ilusões sobre a possibilidade de "ecologizar" o capitalismo não quer dizer que não se empreenderá a luta por reformas imediatas, concretas e viáveis na nossa sociedade. Mas reformas que, além de resultados imediatos, sejam passos na direção certa, de outra sociedade, possível e realmente sustentável.

Leandro César Signori - leandrosignori@terra.com.br - Rede Brasil de Ecossocialistas

1. Michel Lowy - De Marx ao ecossocialismo, in Marxismo modernidade utopia.
2. Michel Lowy - Socialismo ou Barbárie às portas do século XXI - Manifesto da IV Internacional
3. Michel Lowy - Ecologia e Socialismo - tese para o Congresso da IV Internacional
4. Idem

© EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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