por Antônio Madalena, especial para a Ecoagência
De: - EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
Data: 29-jan-03
Hora: 13:45:10
Michel Löwy apresentou nesta segunda, dia 27, o painel "Marxismo e ecologia", como parte da oficina "A sustentabilidade pelo ecossocialismo", promovida pelo CEA - Centro de Estudos Ambientais e o Terrazul. Renomado professor em universidades francesas, seu nome e a relevância do tema levaram um grande publico a sala 315 do prédio 11 da PUC.
Apresentando-se como marxista, Löwy afirmou que a principal crítica aos ecologistas é a de que estes desenvolvem ações pontuais em defesa da natureza, sem um sentido do que está em jogo no capitalismo. Os ecologistas são alienados. Confessando ter descoberto a ecologia há apenas alguns anos, disse que, em contrapartida, os ecologistas criticam o marxismo por considerá-lo produtivista. Pena que Löwy não tenha definido o que queria dizer por produtivismo, palavra que passou a ser de uso freqüente na sua apresentação.
Löwy procurou mostrar que Marx tinha preocupações com a natureza, que ele não era um simples produtivista (seja lá o que a palavra queira dizer). A ênfase dada por Marx de que mais importante do que aquilo que o homem tem, é aquilo que ele é seria um argumento a favor desse ecologismo marxista. A favor deste o painelista também fez referência a uma frase da obra de Marx, em que este diz que a essência do peixe é a água. Só mesmo a idolatria para explicar a falta de senso crítico em salvar em Marx um erro tão crasso. Você não estranharia, leitor, se alguém lhe dissesse que sua essência como homem é o ar? Que alguma coisa seja condição fundamental para viver, não a faz essência, embora se possa dizer em outro sentido que ela é essencial para a vida. Se Marx não dispunha da biologia molecular para saber que a essência de um peixe é seu código genético, já tinha a disposição todo o legado da filosofia escolástica e do aristotelismo para saber distinguir esse tipo de coisa.
Erros desse tipo no entanto não tiram nada da grandeza de Marx, que continua plenamente válido para analisar as estruturas e relações de produção. O problema é que a exposição de Löwy revelou uma visão extremamente caricatural do movimento ambientalista. Dentro do ambientalismo, há uma enorme diversidade de movimentos, que refletem diferentes práticas e visões. Essa diversidade é saudável. A visão apresentada por Löwy é a de uma ecologia como uma causa sentimental de amor a natureza, em que ambientalistas defendem o verde, sem saber o que está em questão. Uma palavra serve para definir os ecologistas: são alienados. Do que? Das relações de produção e forças produtivas, que nunca são neutras no capitalismo.
O que os ecologistas precisam para deixar de ser alienados? Do ecossocialismo, é claro. Para Löwy nossa civilização industrial capitalista precisa mudar seu paradigma e a missão do ecossocialismo seria o de projetar esse novo paradigma civilizatório. Ora, só mesmo o desconhecimento da história da ecologia pode ter levado Löwy a essa inversão. Porque como marxista ele sabe muito bem que o marxismo sempre foi um incondicional defensor do progresso e nunca questionou os pressupostos da civilização.
Quem fez a crítica da civilização industrial foi a ecologia. Se fôssemos esperar pelos marxistas, a natureza estaria em muito piores condições, e no campo teórico não teríamos uma grande parte da reflexão que se produziu. Löwy esqueceu de dizer, ou não quis, que a experiência dos países comunistas foi marcada pela mesma destruição da natureza. Com a única diferença de que era pior, porque não havia espaço para movimentos sociais e ecológicos, já que o estado totalitário não o permitia. A ecologia como movimento nasceu nas democracias ocidentais porque essas permitem as condições para a organização das pessoas.
O ecossocialismo apresentado por Lowy se mostra como um grande esforço de apropriação das conquistas do campo da ecologia para dentro do marxismo, como forma de revitalizá-lo. Enquanto os marxistas os taxavam de alienados, os ecologistas construíam a critica aos fundamentos da civilização industrial. O movimento ambientalista absorveu diferentes correntes de pensamento, do movimento hippie e contracultura, das filosofias e religiões orientais e da ciência, entre outras. Foi através da ciência que se articulou essa crítica.
No Brasil, José Lutzenberger, cientista e agrônomo, fez esse trabalho. Foi também um cientista, o biólogo e médico Konrad Lorenz quem escreveu um livro seminal intitulado A demolição do homem – crítica a falsa religião do progresso. E assim como esses, inúmeros cientistas, mestres espirituais, poetas (ligados a beat generation, por exemplo, em especial Gary Snider) fizeram de forma consistente essa crítica. Alguns deles, a bem da verdade, inclusive usavam referenciais teóricos do marxistas. Mas eram vistos como gente estranha e heterodoxa, como Norman O. Brown, que ousa fundir psicanálise e marxismo.
É claro que em tempos de neoliberalismo a vinda dos marxistas para o território da ecologia é bem vinda, mas que não queiram destruir a diversidade desse, fazendo com que a única visão válida seja a sua. Que o movimento ecológico apresente várias correntes é algo mais fiel à complexidade da vida, coisa que historicamente os marxistas, no seu afã revolucionário, nunca pareceram compreender bem.
Löwy em sua apresentação foi bastante injusto e incorreto com o ambientalismo. A critica à civilização industrial foi feita por ecologistas. Os marxistas permaneceram sempre deslumbrados com o progresso. Como afirma o sociólogo Immanuel Wallerstein, em Capitalismo histórico e civilização capitalista, "se há uma idéia associada ao mundo moderno, é a noção de progresso (...) a idéia do progresso justificou a transição do feudalismo para o capitalismo. Legitimou que a oposição remanescente à mercantilização de tudo fosse destruída e permitiu descartar os aspectos negativos do capitalismo com base na noção de que os benefícios superavam em muito os prejuízos. Logo, não é surpreendente que os liberais acreditassem no progresso. Surpreende é que os seus oponentes ideológicos, os marxistas, acreditassem no progresso, com, pelo menos, a mesma paixão. Essa crença serviu a um importante propósito ideológico. (...) Ao mesmo tempo em que a idéia de progresso justificava o socialismo, também justificava o capitalismo. (...) A adesão marxista ao modelo evolucionário de progresso tem sido uma enorme armadilha." (grifos meus)
Como sempre há exceções à regra, já em 1980 o sociólogo Jean Pierre Dupuy, marxista, alertava que o capitalismo estava levando a sério a questão ecológica. Dizia ele, então: "a ecologia do capitalismo é a integração dos constrangimentos ecológicos na lógica capitalista. Essa integração é possível e está em via de conceptualização, programação e implantação." Era 1980 e ele nos alertava para essa tendência do ecocapitalismo, perigosa pois nos quer fazer acreditar que vivemos no melhor dos mundos possíveis, que enfim, agora que o capitalismo despertou para a questão ambiental, podemos ficar tranqüilos, tudo é uma questão de tempo e com técnica, ciência e empresários, o capitalismo vai resolver o problema. Não é o caso sabemos. É possível aproximar ecologia e marxismo. Afinal, o alemão Haeckel criou o termo ecologia no mesmo ano em que seu compatriota publicava o livro 1 de O Capital.
© EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 - http://www.ecoagencia.com.br .