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Documento/Subsídio

A Igreja e a Questão Ecológica

De 18 a 21 de maio de 1992, portanto antes da Conferência do Rio, a CNBB realizou, em Brasília, o Seminário sobre Ecologia e Desenvolvimento. Deste encontro resultou o livreto "A IGREJA E A QUESTÃO ECOLÓGICA". Deste documento, publicamos somente a parte IV Conclusão. 

As outras partes, anteriores, têm os seguintes títulos:: I Introdução, II Desenvolvimento Sustentável: Para Quem? e III Responsabilidade Humana pela Criação de Deus.

"IV CONCLUSÃO

73. No momento em que as atenções de todo o mundo se voltam para Brasil, com a realização no Rio de Janeiro da Conferência das Nações Unidas sobre "Meio Ambiente e Desenvolvimento", a Igreja assume as mesmas preocupações que a crise ecológica apresenta hoje para toda a humanidade.

74. Assim fazendo, a Igreja retoma e aprofunda as reflexões iniciadas em 1979, quando da Campanha da Fraternidade sobre a Ecologia "Preserve o que é de Todos".

75. Na verdade, o atual impasse ecológico, que ameaça ( presente e o futuro da vida no planeta, revela quanto a ação humana interfere na natureza, tornando-se responsável pela sua preservação ou destruição.

76. Neste sentido, a consciência ecológica, que agora está eclodindo com força em todos os povos, produz uma convergência que nenhum outro movimento até hoje conseguiu. Vista em sua dimensão positiva, torna-se base de um entendimento comum, rico em possibilidades de mudanças capazes de corrigir os erros cometidos, e encontrar caminhos novos de vida para todo o planeta.

77.À luz da fé, a crise atual é um momento de graça, uma "visita de Deus" que vem nos ajudar a reencontrar os seus desígnios de Criador e Pai. Ela se constitui em forte interpelação, postulando uma revisão profunda que atinja os pressupostos que deram origem ao estilo à organização atual da vida humana. É uma convocação para as urgentes mudanças que se fazem necessárias, exigindo a conversão das pessoas e das estruturas sociais.

78. A voz de Deus também convida à conversão a própria Igreja. Os cristãos não estão isentos de responsabilidade, em relação aos modelos de desenvolvimento que têm provocado os desastres sociais e ambientais em que nos encontramos.

79. É com esta visão aberta que precisamos escutar o que o momento atual nos tem a dizer.

80. O modelo de desenvolvimento em que nos encontramos levou a uma crise global. Ela se desdobra em aspectos múltiplos: econômicos, políticos, sociais, culturais, éticos e religiosos. Estes aspectos são simultâneos à crise ambiental.

81. Esta situação de crise é, portanto, uma crise do modelo de desenvolvimento. Frente a isso, apresenta-se agora a proposta de desenvolvimento sustentável. Este nos é apresentado como aquele que deve atender às necessidades e às aspirações do presente, sem comprometer as possibilidades de atendê-las no futuro. Pretende a superação da pobreza, aliando o crescimento econômico com os limites ecológicos, incluindo medidas de controle da natalidade para diminuir a população dos países pobres.

82. Embora pretenda ter um efeito abrangente, reorientando as relações entre as pessoas destas com natureza, o desenvolvimento sustentável é ainda pensado dentro da esfera da economia, e é com esta referência que pensa o social. A novidade que traz é apenas a incorporaçao da natureza dentro dos custos da produção.

83. Esta redução ao econômico é inaceitável. Pois, muito mais importante que atribuir um valor material à natureza, é reconhecer o valor próprio da criação. Caso contrário, ela continua reduzida a instrumento utilitarista da pessoa humana. Além disso, não se discute quem paga os custos, e para quem se destinam os benefícios desse desenvolvimento. Não há meio ambiente digno, se permanecem as injustiças e as desigualdades sociais.

84. A elaboração de propostas de desenvolvimento deve estar subordinada a valores éticos, que garantam os direitos de toda a humanidade e o respeito à criação.

85. Somos convocados pelo Criador a lutar pela integridade da criação, guardando-a e cultivando-a na perspectiva do seu projeto de vida para todos (Gn 1-2 e cf. Jo 10,10). Assim, o ser humano não pode ser considerado em separado do seu meio ambiente. Onde este é agredido e violentado, aí o próprio ser humano é agredido, violentado e ameaçado em sua própria dignidade e sobrevivência. Somos convocados a desenvolver uma ética de corresponsabilidade pelo futuro da criação, empenhando-nos na construção de uma sociedade democrática, social e ecologicamente justa e solidária. Uma ecologia humana exige a aceitação da democracia como valor universal.

86. Àluz de tudo isto, assumimos e apresentamos as seguintes propostas como abertura de caminhos para a solução da questão ambiental:

— mudar hábitos de vida, superando o consumismo que leva ao desgaste da natureza, e questionando a riqueza e o desperdício (cf. Centesimus Annus, n. 36);

— denunciar o neo-liberalismo, que insiste na manutenção do sistema econômico, que gerou as desigualdades entre os povos e a depredação da natureza;

— acabar com o mecanismo da dívida externa, fator de novo colonialismo, "hoje um dos mais eficazes instrumentos da diminuição da vida implantação da morte, instrumento de pecado coletivo e usurpação do domínio de Deus" (CNBB, Exigências Éticas da Ordem Democrática, n. 36; CONIC, Desafios às Igrejas, 1988);

— suspender os gastos bélicos aplicar os recursos num planode reconstrução do planeta, a nível social e de recuperação do meio ambiente;

— democratizar o acesso e uso do solo agrário e urbano e desenvolver uma agricultura ecológica voltada a produção de alimentos sadios para toda a humanidade;

— desenvolver fontes de energia não poluentes e renováveis;

— impedir o patenteamento da vida como monopólio de grupos econômicos. Respeitar e valorizar as tecnologias e os projetos de povos dos países periféricos, impedindo sua apropriação indébita;

— valorizar as iniciativas populares e movimentos sociais como experiências concretas de sustentabilidade, de sobrevivência física e cultural, e de preservação do meio ambiente;

— criar e ampliar a consciência de que as gerações futuras são nosso próximo, e que devem ser amadas e, portanto, protegidas;

— respeitar as diferenças entre as pessoas e as culturas, cada uma delas com as suas características e valores;

— preservar áreas representativas e significativas de todos os ambientes naturais do planeta, independentemente de sua utilidade;

— promover aintegração e a solidariedade entre os povos, especialmente entre os pobres dos países periféricos e dos países centrais, visando a comum responsabilidade na construção de uma nova ordem;

— conhecer, respeitar e aprender com experiência milenar de povos indígenas, de comunidades afro-brasileiras, de ribeirinhos, caiçaras e seringueiros, que souberam viver, até os dias de hoje, numa relação respeitosa e harmoniosa com o meio ambiente;

— empenhar-se para que os seres humanos sejam capazes de exercer as virtudes do zelo, da paciência, da ternura, da compaixão, do amor e da prudência, nas suas relações com os bens da criação, seres vivos ou inanimados, e com os seus semelhantes.

87. Mais do que nunca é necessário uma nova espiritualidade. Como seres humanos, somos convocados a desenvolver uma consciência criatural, onde a criação deixa de ser vista como objeto de domínio. Ela é um dom de Deus que deve ser acolhido com reverência, respeito e louvor. Somente a vivência dessa relação do ser humano com a criação possibilitará novas relações sociais e ambientais, e um novo tempo de paz e justiça. É neste contexto que recebem seu pleno significado as palavras de Cristo: "Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância" (Jo 10,10). Com sua Ressurreição, Ele inaugurou o "novo céu e nova terra" (Ap 21,1) que agora somos chamados construir a com a força do seu Espírito, irmanados no prosseguimento da obra criadora de Deus, e na redenção salvadora de Cristo".

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