NOTA DA ABRAPA
A ampliação
da Estação Ecológica do Taim
É óbvio que, como ambientalistas
preocupados com preservação ambiental, achamos, todos nós, a notícia
ótima.
Pessoalmente, no entanto, temo
apenas que seja mais um ato de bravata estatal, daquelas coisas que o governo
faz - todos os governos, independente de partidos - e depois não sustenta.
Vale lembrar que a situação fundiária da área atual da Estação ainda
não está totalmente regularizada, que o IBAMA não consegue dispor de meios
para realizar em caráter permanente o trabalho de controle e fiscalização
que gostaria, e que a estrada que atravessa a Estação está em vias de
desmoronar, mas o DNER (ou o órgão que o sucedeu, na eterna dança
de siglas de Brasília) não faz nada; e assim por diante.
Então, pergunto: não seria mais lógico
terminar a regularização fundiária da área existente, reequipar a equipe
do IBAMA lá sediada, dar condições de manutenção permanente, e pagar a
recuperação da estrada, que, caso desmorone, não só vai isolar o extremo
sul do Estado, como também provavelmente causará uma enorme drenagem do
banhado?
A política ambiental, no Brasil,
em termos de conservação de ecossistemas, tem se dado principalmente
centrando ações na desapropriação de áreas (o governo federal adora
ser proprietário de terras), e muito pouco na subseqüente proteção
das mesmas. A gerência regional do IBAMA no Rio Grande do Sul e a equipe do
órgão lá no Taim fizeram das tripas coração para gerenciar os 33 mil
hectares que o Taim tinha até agora, mas enfrentam dificuldades de toda ordem
e precisam mendigar verbas em Brasília. Agora, com mais de 100 mil hectares, as
dificuldades aumentarão. Mesmo, porém, que a equipe e as verbas sejam
triplicadas, isto será pouco, já que os problemas crescerão
exponencialmente.
Por outro lado, me preocupa a situação
de Santa Vitória do Palmar, município que terá uma enorme fatia de sua área
fechada a qualquer tipo de utilização, pois "Estações Ecológicas"
- e não "biológicas", como vêm sendo erroneamente chamado o Taim
- são áreas fechadas ao acesso do público. Integrante da Zona Sul do
Estado, justamente a região mais pobre do Rio Grande do Sul, o município
estava planejando enfrentar a crise investindo no turismo ecológico, em
grande parte na região que agora será fechada ao público.
É justo, isto?
Tem sentido o fechamento puro e
simples de enormes extensões de terra ao aproveitamento econômico, em vez de
incentivar as populações locais (já motivadas a isto) a
utilizá-las de maneira sustentável? Neste caso, porque não fazer nesta nova
área um Parque Nacional (que pode ser visitado pelo público), em vez de
aumentar a área da Estação (onde ninguém, salvo cientistas com licença,
pode entrar)? Por que sequer o Conselho Consultivo da Estação, criado pelo
próprio governo federal para dar palpites sobre como melhor gerenciá-la, foi
consultado? Temo que a mera ampliação da área, como foi estabelecido no
decreto presidencial, tenha como resultado a revolta dos moradores da região,
que até agora vinham sendo mobilizados a adotarem atitudes ambientalmente
corretas para o uso econômico daquela faixa de praia.
Por outro lado, muitos dos motivos
apontados como justificativa para a ampliação da área estão equivocados.
Se é para remover a floresta de pinus lá existente, por exemplo, e que causa
enormes prejuízos ao lençol freático da região, bastava iniciar o
processo, uma vez que ela está dentro dos limites de amortecimento da área original da Estação.
Em vez disto, e contra a opinião do administrador da Estação, foram
autorizadas a que novas serrarias se instalassem em seu entorno. Também a
necessidade da ampliação da área protegida enquanto Estação Ecológica é
discutível. Se é verdade que áreas extremamente significativas ficaram fora
dos limites da Estação, é verdade, também, que outras muito menos
importantes estão hoje dentro destes limites. Mais uma vez, volta-se à questão
de que seria mais interessante, tanto em termos ambientais como de
gerenciamento sustentável da economia daquela região, a criação de um
Parque Nacional nesta nova área.
Dizer que os animais terão uma
nova área de refúgio nos períodos de cheia beira o delírio, pois faz
parecer que, comunicados dos novos limites, capivaras e ratões
(principalmente) tratarão agora de se manter dentro deles. Ora, os que fogem
das cheias para o oeste, e são atropelados na estrada ou caçados nas
granjas, continuarão fazendo exatamente a mesma coisa, e sendo atropelados e
caçados, pois deste lado da Lagoa Mangueira nada mudou; e os que fogem para
leste, na direção da faixa de areia entre a lagoa e o mar, também continuarão
fazendo a mesma coisa, e encontrando o mesmo refúgio, pois deste lado, não há
estrada nem, praticamente, caça clandestina. E assim por diante.
É importante notar, porém, que a
culpa pela precipitação não pode, nem deve ser jogada sobre os ombros do
Presidente Lula, que apenas assinou o decreto que lhe foi apresentado. Esta idéia
é antiga, e o decreto quase foi assinado pelo então presidente Fernando
Henrique Cardoso, no ano passado. A única diferença entre um e outro
é que o ex-presidente fez uma consulta informal a entidades e à comunidade e
mandou estudar melhor a questão. Lula provavelmente não teve tempo de fazer
o mesmo e, como vem fazendo com vários outros projetos deixados pelo governo
anterior, assinou como estava. Mas não pode ser responsabilizado pelos termos
do Decreto.
São questões que ficam abertas ao
diálogo, que envolva a comunidade da região, as entidades ambientalistas
ligadas ao Taim, entre as quais a ABRAPA tem longa tradição, e ao próprio
Conselho Consultivo. Um diálogo que, certamente teria o potencial de dar
bons resultados, se tivesse sido realizado antes da assinatura do
decreto aumentando a área da Estação.
Porém, já que o problema foi
criado de afogadilho, vamos ver agora se as soluções (e as verbas das
quais elas necessitam) virão com a mesma presteza, ou se ficarão para
ser encaminhadas por etapas, em migalhas, nos festejos anuais do Dia
Internacional do Meio Ambiente.
Ney Gastal
Presidente da ABRAPA
Associação
Brasileira para a Preservação Ambiental