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Companheiro de Chico Mendes diz que fosse ele vivo teriam conseguido muito mais

Gomercindo Rodrigues lembra o Empate em que os soldados pararam para ouvir o Hino Nacional

A Casa em que Chico Mendes morava com a esposa e dois filhos é conservada quase intacta em Xapuri

EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
05-set-03

 
Gomercindo, o  Guma, e a viúva de Chico Mendes, Ilzamar Mendes

 

Xapuri, AC - Bem cuidada, a cidade ainda respira a morte de Chico Mendes, em 1988.  Os participantes do I Encontro Internacional de Jornalismo Ambiental da Amazônia foram levados a Xapuri  para conhecer a casa do lider seringueiro e a da Fundação Chico Mendes, que abriga parte dos seus poucos bens. 

            Gomercindo Clovis Garcia Rodrigues acompanhou Chico Mendes de janeiro de 1986 até 22 de dezembro de 1988, quando o lider sindicalista foi assassinado em sua casa, nesta cidade do Acre. Gomercindo, ou o Guma, acompanhou os jornalistas presentes ao I Encontro Internacional de Jornalismo Ambiental da Amazônia na viagem ao Seringal Cachoeira, onde Mendes foi seringueiro e onde foi institucionalizada uma das primeiras reservas extrativistas do Brasil. 

            Emocionado, no ônibus de transporte, relatou que em lembrança aos 15 anos da morte do líder seringueiro, está sendo inaugurado um sítio com informações sobre o Chico. O endereço é www.chicomendes.org. Ali têm depoimentos, comentários, enfim, a história completa de Chico, que  levou a situação do Acre e dos seringueiros ao Mundo.  

Gomercindo lembra um dos Empates

            Conta Gomercindo que em um dos episódios que afinal acabou deflarando a morte de Chico Mendes ocorreu em maio de 1988.  Reunidos na Fazendinha, resolveram parar com a destruição da mata no Seringal Equador, distante 6 km de distância. 

            Chegaram lá e encontraram uma tropa da Polícia Militar protegendo a destruição. As mulheres e crianças resolveram avançar. Pararam a poucos metros e, sob a orientação das professoras da escola da Colocação Fazendinha, em Cachoeira,  começaram a cantar o Hino Nacional Brasileiro. Para surpresa de todos, os soldados se perfilaram em posição de apresentação de armas - alguns já estavam prontos para disparar - e o Sargento perfilou-se, tudo em respeito ao Hino. 

            Logo após o encerramento do Hino, o Chico então aproveitou o momento de surpresa geral e foi conversar com o sargento propondo que fosse paralizada a destruição da floresta. O sargento explicou que o desmatamento era legal pois tinha autorização do IBDF e que tinha ordem da Justiça para o trabalho dos peões.  

            Conta Gomercindo que o Chico Mendes "propôs ao comandante que fosse suspensa a destruição pelo menos por um dia porque queriam tempo para negociar com o IBDF a suspensão da licença. O Sargendo concordou mas afirmou que cumpriria a ordem judicial no dia seguinte. Foram para a cidade e passaram o dia tentando a revogação da licença junto ao IBDF, o que não conseguiram. Com isto, retornamos ao Cachoeira e foi decidido que viriam para Xapuri para acampar na sede do IBDF até conseguir uma mudança de posição. Viemos em cerca de 80 seringueiros e ocupamos o escritório".

            "Na madrugada",  conta o Guma, "vários pistoleiros cercaram a casa e por sorte apenas dois trabalhadores foram feridos - um jovem de 15 anos levou sete tiros entre a barriga e as pernas e um outro pegou dois tiros na perna. Eu já estava em casa e fui chamado. O Chico também já estava chegando. A Polícia chegou e  simplesmente mandou tirar todo mundo da casa ao invés de sair a cata dos pistoleiros. Os companheiros feridos vieram pro hospital. Por este atentado, os filhos do Darli Alves da Silva, Darci Alves Pereira e o Oloci Alves da Silva foram condenados a 12 anos de prisão por tentativa de homicídio. Viemos prá Rio Branco e aí conseguimos que o IBDF mandasse prá lá um engenheiro-florestal para medir a área que estava efetivamente sendo desmatada. Acompanhei o técnico junto com uma corda de 50m para medir a área porque a permissão era para 49 hectares. O capataz nos viu e não foi preciso fazer a medição manual - ele nos informou o tamanho do terreno. O corte já estava em 54 ha. Foi uma vitória parcial.  Até hoje a mata de todo um lado da estrada está lá, conservada. 

            Continuando, o Guma lembra que "assim foram os Empates - às vezes se conseguia alguma coisa, outras vezes nada. O primeiro que participei foi em julho de 1986. A estratégia deixou de ser muito utilizada somente em 1994, porque em Xapuri houve a redução drástica de desmatamentos pelos fazendeiros. Ainda se realizam alguns Empates eventualmente porque a destruição continua". 

Chico Mendes Vive

A respeito da morte de Chico Mendes, o Gomercindo afirma ter a certeza que muita coisa positiva aconteceu por causa dela. Eu não tenho dúvidas que tudo o que ganhamos - o reconhecimento das reservas extrativistas, o apoio nacional e internacional aos seringueiros - teria sido bem maior com ele vivo, diz. Perdemos um grande companheiro que estava muitos anos a frente de todos nós. ‘Quando estávamos plantando o milho, ele já estava comendo a pipoca’ ou ‘quando estávamos plantando a mandioca, ele já estava comendo a farinha’.

Visita à Casa de Chico Mendes e à Fundação

            A viúva de Chico Mendes, a lIzamar Mendes preside a Fundação Chico Mendes. A Fundação abriga, em uma casa em Xapuri, na frente da casa onde eles residiam, roupas que eram usadas na hora do assassinato, passaporte, carteira de anotações e medalhas e certificados de medalhas de homenagens recebidas pelo marido antes e depois da morte.  

            Surpreendida pelo grande número de jornalistas, Ilzamara concedeu uma coletiva de imprensa improvisada, ao lado da escada de saída dos fundos da casa, próximo aonde Darli Alves e filhos faziam tocaia para o seu marido. Sentida e meio que chorosa, reclamou da falta de apoio dos políticos do Município à causa do Chico Mendes e para o resgate da sua memória: não tem nem condições de passar em vídeo os inúmeros filmes e reportagens em que o marido participou. Elogiou o Governador Jorge Viana, afirmando que ele está sim buscando a viabilização dos seringueiros e o que o seu marido representava. 

            Passando três dias por semana em Xapuri, Ilzamara recebe os visitantes pessoalmente, tira fotos ao lado dos posters do Chico e repete mil vezes como foi o assassinato dele. Estava jogando dominó com os dois soldados da PM que faziam a sua proteção, quando a Ilzamara o avisou que a janta estava pronta. Então vou tomar banho. Pegou a toalha, abriu a porta de trás da casa e aí recebeu o tiro. Caiu para dentro nos pés dos dois policiais. Partes da parede que recebeu o esguicho do seu sangue continua intocada, sem repintura. O jogo de dominó está em cima da mesa. As duas crianças do casal, Sandino e Elenira também estavam em casa e assistiram a cena toda. 

 

Os Empates

Os "empates" foram manifestações pacíficas que os seringueiros realizaram a partir de 1976 - o primeiro foi realizado no Seringal Carmen, no Município de Brasiléia,  para proteger seu modo de vida. Os Empates aconteciam quando os seringueiros, as suas famílias, a comunidade inteira protestavam contra a derrubada da floresta colocando-se na frente dos peões operadores de motosserras. Os seringueiros sempre em número bem maior chegavam e conversavam com os peões, alguns ex-seringueiros. Mostravam que a destruição estava tirando o meio de vida dos seringueiros num discurso de convencimento. Num primeiro momento, a destruição parava. Mas o proprietário conseguia proteção da Polícia via ordem judicial e aí os peões tinham que continuar.  O fazendeiro contratava um "gato", que era o empreiteiro e este contratava os 
peões. Grande número de Empates foram vitoriosos  e até algumas empresas grandes desistiram de  desmatar para plantar ou criar gado. 
Um último Empate realizou-se ainda em 2003.

 

Visite também:

Comitê Chico Mendes - www.chicomendes.org 

O episódio do Seringal Equador - http://www.chicomendes.org/seringueiros291.php 

 

 

Texto e fotos do Jornalista João Batista Santafé Aguiar - joaobatista@ecoagencia.com.br para a EcoAgência Solidária de Notícias Ambientais - www.ecoagencia.com.br.   


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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