Texto e Foto de Cláudia Viegas, jornalista, claudia@ecoagencia.com.br
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21-ago-03
Cláudio Dilda, presidente do CONSEMA RS, presidiu a
reunião
Porto Alegre, RS - O corte raso de uma área de 10 hectares de mata paludosa, no município de Terra de Areia, como parte das obras da Rota do Sol, foi a principal polêmica da reunião do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema/RS) realizada ontem, no auditório da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema/RS). A representante do Núcleo Amigos da Terra - Brasil, Kathia Vasconcellos Monteiro, informou, ao final do encontro, que a sua entidade vai ingressar no Ministério Público, nos próximos dias, com pedido de responsabilização do Ibama/RS pelo desmatamento efetuado na região em abril deste ano pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer/RS).
A devastação vem sendo denunciada também por moradores das proximidades de Terra de Areia. “Durante duas reuniões seguidas do Consema foi feito pedido ao Ibama, responsável pela concessão da licença ao Daer, para que justificasse o que ocorreu. Nas duas reuniões seguintes, o Ibama estava em greve. Agora nós queremos uma explicação: por que fizeram o corte raso e não um viaduto, por exemplo, para manter a floresta em pé? Afinal, para que serve o Consema?”, questionou a ecologista, ao anunciar que irá recorrer ao Ministério Público alegando “falta de capacidade técnica do órgão ambiental no licenciamento”.
O representante do Ibama na reunião, Lúcio Rodrigues, disse considera “explicada a situação do licenciamento da rodovia”, conforme havia sido requerido no encontro anterior do Conselho. De acordo com ele, o Daer e o Ibama estão encaminhando condicionalmente a implantação de unidades de conservação da Área de Preservação Ambiental da Rota do Sol e da Estação Ecológica Aratinga, bem como a sinalização da rodovia.
Kathia, contra-argumentou afirmando que as informações trazidas pelo Ibama não justificam a situação de desmatamento: “Acho que é má vontade do Ibama, pois o Comitê de Reserva da Biosfera da Fepam colocou-se à disposição para discutir uma alternativa a fim de evitar o corte raso, mas não foi ouvido. É também um desrespeito do Daer”.
O superintendente do Departamento de Estudos e Projetos do Daer, Cláudio Achutti da Fonseca, alegou que, na pauta da reunião do Consema que havia recebido, no item IV, constava apenas a apresentação da situação do licenciamento ambiental da Rota do Sol. “Esta obra já foi discutida em audiência pública, inclusive o traçado. É um dos maiores empreendimentos ambientais do país”. Ele acrescentou que o Daer está evitando desmatamento clandestino na região, o que era comum há alguns anos, quando se visitava a estrada antiga. “Hoje estamos coibindo o corte de vegetação clandestino”, disse.
As exposições dos representantes do Ibama e do Daer, contudo, não convenceram os ambientalistas presentes à reunião. O conselheiro Sérgio Leite, representante da UFRGS, questionou sobre o estágio da implantação das unidades de conservação e sobre a situação das desapropriações. Rodrigues assinalou que a implantação das unidades está “em estágio preliminar” e Achutti complementou que “as áreas já foram cadastradas, e o Daer está providenciando a desapropriação”.
Leite ainda pediu informações sobre a instalação de uma unidade ambiental da Brigada Militar na área, prevista no início do processo de licenciamento. Segundo Rodrigues, este requisito está mantido: “As condicionantes do licenciamento não foram declinadas, mas acrescidas”, afirmou.
O representante da Federação das Associações dos Municípios do Estado, Valtemir Goldmeier, solicitou a realização de uma audiência pública para discutir aspectos ambientais relacionados à Rota do Sol. O pedido foi questionado pela representante da Agapan – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, Edi Xavier Fonseca. “Não sei se, legalmente, poderia haver uma nova audiência pública, agora que o processo de licenciamento já está em andamento”, justificou.
Porém, de acordo com alguns representantes do Consema, o próprio Código Estadual do Meio Ambiente (Lei 11.520/2000) prevê a realização de audiências ou reuniões técnicas mesmo nesses casos. A decisão sobre a realização ou não da audiência ficou para a próxima reunião, a ser realizada em 17 de setembro. Doze conselheiros votaram favoravelmente a uma consulta pública, a ser convocada pelo Ibama, quatro foram contrários e dois se abstiveram.
Também foi sugerida a criação de um grupo de trabalho para organizar a audiência, composto por três integrantes do Consema, um do Ibama e um do Daer, sugestão que recebeu 16 votos favoráveis e uma abstenção.
O licenciamento ambiental da Rota do Sol é uma polêmica que se arrasta há quase duas décadas. Alguns ecologistas acreditam que o custo da obra para a sociedade e para o meio ambiente está superando os possíveis benefícios. Segundo uma técnica da Fepam, a origem do problema do desmatamento é o fato de o Ibama gerenciar separadamente a criação de uma reserva ecológica e o licenciamento ambiental das obras da rota.
Em 1994, o licenciamento da rodovia passou da Fepam para o Ibama. Em 1998, como contrapartida aos impactos ambientais do traçado do gasoduto Brasil-Bolívia, foi determinado que os empreendedores do gasoduto (consórcio TBG) destinassem o equivalente a R$ 750 mil para demarcação e desapropriação de terras, já que o governo do Estado, por decreto, decidiu pela criação da Reserva Biológica da Mata Paludosa.
O problema é que o traçado da rodovia está agora ameaçando o projeto desta reserva. O Ibama concedeu licença para o Daer derrubar o equivalente a 10 hectares de mata nas imediações de Terra de Areia, desconsiderando completamente a criação da reserva ecológica.
Compartilhamento – O auditório da Sema/RS esteve lotado, especialmente na primeira parte da reunião, devido à votação dos relatórios de habilitação de mais 15 municípios ao licenciamento ambiental. Dos municípios cujos relatórios foram submetidos aos conselheiros – Alpestre, Boqueirão do Leão, Brochier, Camaquã, Ilópolis, Ipê, Morrinhos do Sul, Nova Roma do Sul, Pinhal, Pinhal Grande, São Vendelino, Tupandi, Vera Cruz e Não-Me-Toque – apenas este último não obteve aprovação, frustrando a expectativa de seu prefeito, Armando Roos, presente ao encontro.
Os conselheiros Edi Xavier Fonseca e Geraldo André Susin, da Alga - Associação Livre para o Gerenciamento Ambiental, de Caxias do Sul, manifestaram-se contrários à votação de todos os processos em função de os relatórios com os pareceres da Câmara Técnica de Gestão Compartilhada do Consema sobre o compartilhamento do licenciamento e a situação de cada um dos 15 municípios terem sido distribuídos somente pouco antes da reunião. “A votação do licenciamento ficou prejudicada porque não recebemos os pareceres previamente, fica difícil lê-los analisá-los na hora da reunião”, reclamou Edi. Ela pediu vistas do processo do município de Não-Me-Toque, o que impediu estender a municipalização do licenciamento (das atividades de impacto ambiental local) para aquela cidade, apesar dos protestos do prefeito.
Para evitar este tipo de atropelo, Valtemir Goldmeier, da Famurs, sugeriu ao Consema a realização de um plantão no dia das reuniões do conselho, a fim de que especialmente os conselheiros vindos do interior possam ter mais tempo para acessar documentos antes de deliberar sobre eles. Com a habilitação de 14 municípios, sobe para 65, de um total de 497, os que estão capacitados legalmente a licenciar atividades de impacto local.
A decisão de ontem, conforme o presidente do Consema, Cláudio Dilda, atinge uma área de 3.068,5 quilômetros quadrados e uma população de 133.704 habitantes.
Taquari/Antas – O Consema também aprovou, por 16 votos favoráveis e um de abstenção, que os investimentos referentes à compensação de impactos ambientais derivados da implantação de pequenas centrais e outras hidrelétricas de médio porte nos rios Taquari/Antas sejam concentrados em uma área de preservação ambiental ao invés de serem pulverizados ao longo de regiões de interesse de cada um dos 37 empreendimentos desta natureza previstos para a bacia.
A votação deste item foi realizada após uma exposição detalhada da proposta de criação de uma Área de Preservação Ambiental (APA) e de uma Área de Preservação Cultural pelo representante do Comitê de Gerenciamento da Bacia do Antas/Taquari, Antônio Fillipini. De acordo com ele, as 37 obras hidrelétricas a serem implantadas no rio atingirão 30 municípios da região, incluindo áreas de grande diversidade biológica e de enorme potencial turístico, tanto em função da paisagem natural (canyons, por exemplo) quanto de pontes antigas, que são hoje monumentos culturais. “Se formos obedecer à legislação ambiental em vigor, cada uma dessas hidrelétricas terá que representar investimentos equivalentes a 0,5% do valor das obras em uma determinada área de conservação”, explicou Fillipini. “Isto tornaria difícil o controle e a fiscalização por parte do Estado”, alegou.
Os ambientalistas presentes ao encontro referendaram a idéia, mas a integrante da Agapan, Edi Xavier Fonseca, ressalvou que a proposta deveria passar pelo crivo da Câmara Técnica de Biodiversidade do Consema. Geraldo Susin, da ALGA, ressaltou que a idéia de concentrar os recursos partiu, na realidade, de um esforço das ONGs: “É uma proposição do Fórum de Entidades Ambientalistas”, resumiu.