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"O mundo precisa pagar pelos serviços ambientais da
Amazônia"
Entrevista com Philip Fearnside
EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
23-jul-03
A floresta amazônica presta um serviço ambiental fundamental para o planeta e por isso o mundo precisa pagar para mantê-la em pé. A tese é do PhD Philip
Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (www.inpa.gov.br).
O cientista participou da palestra Amazônia e Mudança Climática que aconteceu no final primeiro dia do
3º Congresso Interamericano de Qualidade do Ar no campus da Universidade Luterana do Brasil em Canoas,
no Rio Grande do Sul. A promoção do evento é da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) e da Associação Interamericana de Engenharia Sanitária e Ambiental
(Aidis).
EcoAgência: Durante muito tempo a floresta amazônica foi considerada de modo equivocado como o pulmão do mundo. José Lutzenberger costumava dizer que ela era uma espécie de refrigerador do planeta. Na sua avaliação, qual é o papel da Amazônia de um ponto de vista planetário?
Philip Fearnside: A Amazônia não é o pulmão do mundo no sentido de fornecer oxigênio em grande escala. Mas ela tem muitos papéis importantes no clima. O ciclo de água, por exemplo. É um volume enorme, quase equivalente ao fluxo do rio Amazonas, que volta para o ar através das folhas das árvores e cai como chuva em outros lugares. Uma parte, inclusive, vai para o Sul do Brasil. E afeta sobretudo a chuva nos meses de dezembro e janeiro. Isso é muito importante para a recarga das represas hidroelétricas no Centro-Sul. O pesquisador Pedro Dias, da Universidade de São Paulo, calculou que 70% da chuva nesta época crítica vêm da Amazônia. Ela também tem o papel planetário em termos do efeito estufa. A emissão de gases (como o gás carbônico e o metano) com as queimadas e com o apodrecimento da madeira que não queima depois do desmatamento contribui com o aumento global da temperatura. O grosso do efeito estufa vem das emissões dos combustíveis fósseis. Mas uma parte, cerca de 30%, vem do desmatamento tropical.
EcoAgência: Quem é o principal responsável pelo desmatamento da Amazônia?
Philip Fearnside: O grosso do desmatamento é feito por grandes fazendeiros, com pouquíssima contribuição à economia do País e ao sustento da população local. Não são os pobres, são os ricos que estão desmatando rapidamente na região. Por isso é possível diminuir rapidamente o desmatamento sem ter um custo humano de aumentar a fome na região.
EcoAgência: Então a floresta não está sendo desmatada para matar a fome dos 20 milhões de brasileiros que vivem lá?
Philip Fearnside: Uma parte do desmatamento é feita sim pelos pobres. Mas se você olha o global são grandes áreas de desmatamento. Aparece em imagens de satélite 100 hectares em um ano. Só um grande fazendeiro pode fazer isso. Uma família só desmata por volta de três hectares. É viável diminuir o desmatamento. Precisa ter motivo. Apenas tentando fiscalizar e multar não será suficiente. Também tem que ter algo que compense a manutenção da floresta. Eu argumento há mais de 20 anos que é preciso um sistema institucional para pagar os serviços ambientais da floresta. Pela chuva, pela biodiversidade e por evitar o efeito estufa. O mais perto disso é o Protocolo de
Kyoto.
EcoAgência: Voltando ao papel da Amazônia. Do ponto de vista global é correto afirmar então que o grande papel da floresta é regular o clima do planeta?
Philip Fearnside: É um dos grandes papéis. A biodiversidade também é importante. O que tem mais perspectiva de virar no curto e médio prazo uma fonte de renda que poderia substituir a destruição da floresta como base da economia é o efeito estufa. A Amazônia hoje vive da destruição da floresta. Corta, vende madeira, coloca gado etc. É preciso mudar e basear a economia na manutenção da floresta e conseguir um fluxo financeiro a partir do valor ambiental da floresta em pé para manter a população. Precisa força diplomática para tentar conseguir este valor, pois hoje está sendo dado de graça para o mundo.
EcoAgência: Em maior ou menor grau, o desmatamento da Amazônia acontece há 30 anos. Assim como as queimadas. A destruição nunca pára. Existe um ponto de não retorno em que não será mais possível recuperar a maior floresta tropical do planeta?
Philip Fearnside: Fica cada vez mais difícil de controlar. Quando se constroem rodovias que abrem novas áreas começa todo um processo, em grande parte fora do controle do governo, de entrada de madeireiros, especuladores, pecuaristas que vão cortar a floresta. Hoje ninguém está calculando o custo ambiental de asfaltar a rodovia Santarém-Cuiabá. Quantos hectares serão desmatados? Quantas toneladas de gás carbônico serão lançadas no ar? Ninguém fez o cálculo. Isso não entra na decisão inicial de colocar esta obra no Plano
Plurianual. Isto tem que mudar. É importante entender que as coisas não são assim escritas na pedra que a floresta vai acabar. Depende da decisão da população do País, se quer manter a floresta ou não. É uma decisão que tem que ser tomada em todos os níveis, nas obras de infra-estrutura, se vai ou não fazer valer o Código Florestal, se vai criar reservas. E também ao nível internacional, se vai conseguir armar estas estruturas para ter o valor do desmatamento evitado. E ainda a negociação do Protocolo de Kyoto para diminuir a emissão global, pois o próprio efeito estufa pode acabar com a Amazônia até 2080, como já demonstram algumas simulações da Inglaterra. A ameaça à Amazônia é real.
EcoAgência: Ainda vale à pena lutar pelo Protocolo de Kyoto com toda a resistência oferecida pelos Estados Unidos? Ou as mudanças climáticas necessitam de um outro pacto internacional?
Philip Fearnside: Com certeza vale à pena lutar. Ele sempre foi um problema, nunca foi adequado para resolver o Efeito Estufa. Mas é um começo. E se não começa, não tem como passar para o segundo passo que é diminuir mais as emissões. Desde a Eco 92 já são 11 anos de negociações para chegarmos até aqui. Não se pode jogar fora todo este tempo. São milhões e milhões de horas de negociação diplomática. Não dá para jogar no lixo para começar de novo. Tem que aproveitar o Protocolo de Kyoto e depois melhorar.
EcoAgência: Para o físico e teórico de sistemas Fritjof Capra o Brasil pode ser um exemplo mundial em função do novo momento político do País. O senhor já sentiu alguma mudança neste sentido?
Philip Fearnside: Eu tenho esperanças. Não poderia ter um ministro do meio ambiente melhor do que a Marina Silva. Tem que lembrar que ela não manda em todo o governo, e outros ministérios são muito mais poderosos, tem mais dinheiro, como Planejamento, Transporte, Minas e Energia. Eles tomam decisões estruturantes que vão desencadear os problemas, e depois fica por conta do meio ambiente controlar as conseqüências. Tem que ter uma maneira de ter a parte ambiental melhor representada antes de tomar as decisões. O Ministério do Meio Ambiente está tentando conseguir isso. É uma coisa que só vai ter frutos no futuro. No momento as coisas continuam como estavam. Tinha um grande surto de desmatamento no ano passado, que foi divulgado há poucas semanas. E todos os indícios mostram que também este ano há muito desmatamento. E também as grandes obras continuam no plano, o asfaltamento da BR 163 de Santarém-Cuiabá, a BR 319 de Porto Velho a Manaus, a estrada para o Pacífico. Tudo continua. Nada foi cancelado por causa das más notícias sobre desmatamento.
EcoAgência: O senhor é otimista em relação ao futuro da Amazônia?
Philip Fearnside: Tem que ser otimista. Eu acho muito importante evitar ser fatalista. Este é um grande problema. As pessoas pensam que tudo está fora de controle, que vai acabar mesmo, não tem o que fazer, então acabam se preocupando com outras coisas. Mas são as decisões humanas que vão decidir o que acontece com a Amazônia.
Jornalista Roberto Villar Belmonte – roberto@ecoagencia.com.br
para a EcoAgência de Notícias
Última atualização:
06 setembro, 2011 - ©
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