EDITORIAL DA ECOAGÊNCIA
Proambiente: o desafio de virar política pública
18-abr-03
Na Amazônia brasileira, a
agricultura convencional, desenvolvida em climas temperados, acumulou uma
pródiga história de fiascos. Experiências de políticas de colonização induzida,
patrocinadas pelo Estado, resultaram em destruição ambiental, fracasso econômico
e conflitos sociais – sem falar no desperdício de dinheiro público.
Essencialmente, porque ignoraram, às vezes de forma deliberada, a realidade
ecológica e social conformada pela floresta amazônica e por suas populações.
No último dia 15 de abril, um
grupo de entidades civis, que representam diferentes segmentos sociais que vivem
na área rural da região, apresentou aos ministérios do Meio Ambiente, do
Desenvolvimento Agrário e da Agricultura uma proposta de política pública que
tem a clara intenção de subverter essa história. Denominada Proambiente, a
proposta visa a estruturar um amplo programa de apoio e valorização das
atividades rurais desenvolvidas na Amazônia, incentivando o abandono de práticas
que sejam nocivas ao meio ambiente, como uso do fogo, a agricultura itinerante,
o uso de agrotóxicos.
O Proambiente foi gestado ao
longo de três anos e envolveu dezenas de instituições e centenas de pessoas. Tem
como lastro a participação de algumas das mais representativas organizações que
compõem os movimentos sociais da região, como o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA),
as Federações de Trabalhadores na Agricultura da Amazônia Legal (Fetags), o
Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), o Movimento Nacional dos Pescadores (Monape)
e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasilleira (Coiab).
Tem, também, o aporte técnico e
científico de duas das mais respeitáveis organizações de apoio com atuação na
região: a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e o
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). E, ao longo de sua
elaboração, obteve o apoio financeiro de órgãos e projetos da cooperação
internacional, como o PPG7, a Agência de Cooperação Técnica da Alemanha (GTZ) e
a Fundação Ford, e dos ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento
Agrário. Revela, assim, o avanço do protagonismo político e da capacidade de
costurar consensos que a sociedade civil organizada da Amazônia adquiriu, desde
que foi selada a aliança entre sindicalistas, extrativistas e ambientalistas,
que deflagrou o movimento dos seringueiros do Acre, nos anos 80.
Tamanha engenharia política
resultou em um programa inovador, que sintetiza o acúmulo de conhecimentos e de
experiências positivas executadas ao longo dos últimos 20 anos na Amazônia, no
âmbito da reação nacional e internacional aos efeitos sociais e ambientais
maléficos provocados pelas políticas de desenvolvimento para a região,
implementadas pelos militares a partir do final dos anos 1960. Concilia, ainda,
preceitos da agricultura sustentável, contrária aos preceitos da Revolução
Verde, com o manejo dos recursos naturais praticados por populações que há
gerações vivem na floresta, como comunidades extrativistas e povos indígenas.
Agora, o Proambiente quer virar
política pública. E, ao receber o Proambiente, o governo federal – que ajudou a
financiar sua construção - aceitou não apenas estruturá-lo dentro da
administração pública, inclusive formulando leis e eventuais mudanças na
legislação e nos regulamentos considerados pertinentes para a boa execução do
programa. Aceitou também o desafio político de enfrentar resistências de setores
governamentais (e não-governamentais) que atrasam avanços nas políticas oficiais
para a Amazônia – como a inclusão do desmatamento evitado nos mecanismos do
Protocolo de Kyoto.
É também previsível que, ao
chegar ao Congresso Nacional, a proposta deverá açular lobbies de poluidores e
degradadores contumazes. Isso porque o Proambiente dá efetividade ao princípio
internacionalmente aceito do poluidor pagador, ao prever que a remuneração dos
serviços ambientais prestados pelos produtores familiares da Amazônia seja feita
a partir de um fundo (o Fundo Sócio-Ambiental) constituído, de forma
complementar, por recursos arrecadados de empreendimentos nocivos ao meio
ambiente, como hidrelétricas, indústrias químicas e de papel e celulose. A
estruturação completa do Proambiente será, portanto, uma grande oportunidade
para a atual administração federal demonstrar qual importância confere às
políticas ambientais e ao desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Leia - do Noticiário da EcoAgência:
Entidades formulam proposta que inova produção rural na Amazônia