TERÇA ECOLÓGICA - Desenvolvimento sustentável deve promover a soberania e a qualidade alimentar“Terça Ecológica” debateu alternativas aos transgênicos |
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EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias 17-abr-03 |
Jean-Yves Griot |
Modificar a política agrícola européia. Essa é a principal missão da Rede Coerência, que integra 92 organizações de agricultores, consumidores e ambientalistas do Oeste da França. O anúncio foi feito pelo presidente da Rede Coerência, o francês Jean-Yves Griot, no último dia 15, durante painel na Terça Ecológica, evento promovido pelo NEJ-RS - Núcleo de Ecojornalistas do RS, em parceria com a Holos – Desenvolvimento e Meio Ambiente, Agapan - Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, Coolméia - Cooperativa Ecológica e o gabinete do deputado Estadual Elvino Bohn Gass (PT). O evento ocorreu em auditório da Assembléia Legislativa sul-riograndense.
Durante a conferência, Griot relatou a experiência da Rede Coerência no fortalecimento do desenvolvimento sustentável, através de alianças entre associações de agricultores, ambientalistas e principalmente de consumidores. Ele destaca que a França controla as importações através de taxas e as exportações, por subvenções. “Essa é uma característica especial do oeste da França, pela proximidade com o mar”. Assim, a política agrícola francesa determinou que é mais importante alimentar os animais com proteínas vegetais, importando hoje cerca de 3 milhões de toneladas de farelo de soja, especialmente para servir de ração para animais como frangos, suínos e bovinos de corte e de leite.
Segundo Griot, as subvenções incentivaram a pecuária e o excesso de animais e de dejetos no solo provocou um desequilíbrio ambiental. “A poluição com nitratos e outros pesticidas se traduziu em má qualidade da água e provocou a chamada “maré verde”, que é o excesso de algas em rios e mares, que prejudica o turismo e a produção costeira de ostras e mariscos”, lamenta o francês.
Diante da poluição, os agricultores do Oeste da França se organizaram para modificar esse quadro. “Isso foi há 20 anos”, conta Griot. De lá para cá, houve experiências de um grupo de agricultores orgânicos que, utilizando menos adubos e pesticidas, obteve uma pequena baixa no nível de produção, mas um aumento de renda e melhora da qualidade da água, além de proporcionar mais saúde para produtor e consumidor. “Isso é a prova cabal de que se pode produzir mais e melhor, sem agredir o meio ambiente”.
Para manter uma agricultura sustentável na França, Griot cita três dificuldades. O primeiro está em convencer os agricultores de que é possível produzir alimentos saudáveis com qualidade e quantidade. O segundo obstáculo é o agribusiness, cujos técnicos cada vez mais querem vender novos insumos e adubos. E a terceira dificuldade é a própria política agrícola européia.
“Hoje em dia, quanto mais hectares um produtor de cereal produz, mais recursos ele recebe para plantar”, destaca Griot, ao relacionar o aumento da área de produção com o da degradação ambiental. Pela dificuldade de se promover mudanças, de forma individual, na política agrícola européia, há 30 anos os pescadores formaram uma associação, a Água e Rios da Bretagne, para protestar contra a poluição na agricultura e o desaparecimento do salmão dos rios naquela região. Por contaminarem o ambiente, muitos agricultores foram processados pela associação dos pescadores.
Com o tempo, surgiram as associações de consumidores, que se reuniram para demandar produtos de qualidade e contra a contaminação da água por nitratos.
“De cinco anos para cá”, conta Griot, “há uma boa aproximação entre as associações de ambientalistas, consumidores e agricultores, que chamamos de Rede Coerência”.
A Rede Coerência surgiu no oeste da França com a missão de modificar a política agrícola européia. Griot conta que houve reformas em 1992 e em 1999. Atualmente, está em discussão uma terceira reforma. “Nesse momento, de expectativa em provocar mudanças na política agrícola européia, é importante a aliança entre consumidores e ambientalistas, até porque atualmente os agricultores não excedem os 3% da população francesa”, analisa.
Glaci Campos Alves |
A estratégia de reunir consumidores e agricultores também foi adotada no Rio Grande do Sul, na década de 70, com a criação da
Coolméia, uma cooperativa que integra consumidores, trabalhadores e agricultores
de produtos orgânicos do Estado.
De acordo com a agrônoma Glaci Campos Alves, associada e ex-presidente da Cooperativa, debatedora durante a Terça Ecológica, “o consumidor foi muito importante para que os agricultores se organizassem e passassem a questionar sobre os métodos de produção utilizados e suas conseqüências na saúde”. Para ela, “é mais fácil socializar a informação através da consciência e da organização dos consumidores, fiéis parceiros do agricultor”. Por isso, Glaci reforça, “a estratégia mais importante é formar redes”. |
Na França, a tomada de consciência por parte dos consumidores ocorreu, a primeira vez, em 1980, com o escândalo dos hormônios. “Depois vieram os pesticidas na carne e no leite. Em seguida, a vaca louca”, conta Griot, ao lembrar que “a partir de 1997, os militantes se deram conta e se aproximaram para lutar por melhores resultados na mudança de política do Governo”.
Em 1998, o Governo da França autorizou o cultivo de algumas variedades de milho modificado geneticamente, a partir do argumento de que a produção e a multiplicação de transgênicos seria legítima, já que havia a importação de OGMs (organismos geneticamente modificados), em especial do milho não rotulado dos Estados Unidos.
“A opinião pública foi alertada e até hoje mantém-se contra OGMs no prato e na plantação”, diz Griot. Ele lembra que a partir da autorização de experimentos, muitas lavouras foram destruídas. Griot cita, como autores, integrantes da Confederação Camponesa, liderada por José Bové.
Griot acompanha a polêmica dos transgênicos no Brasil e adianta ser interesse da Comunidade Européia a importação de grãos convencionais, sem manipulação genética. “A Europa importa 75% de proteína vegetal e o Brasil pode ser um grande fornecedor de grãos não transgênicos”. Para Griot, a pressão pelas mudanças na política agrícola da Europa deve vir dos consumidores, através de ações concretas, como o boicote a determinados produtos, a exemplo do que hoje ocorre em quase todo o mundo, contra a Guerra ao Iraque, quando os consumidores dizem "não" aos produtos norte-americanos.
Uma outra situação destacada por Griot é de que, na França, 1.200 municípios têm leis que proíbem a produção e o consumo de alimentos que contenham OGMs. “Nesses municípios, existe produção e feiras de produtos orgânicos, que comprovam que é possível viver sem transgênicos”, diz conferencista. A rotulagem, se clara e bem feita, também pode ser um instrumento para impedir a produção e o consumo de transgênicos. Para Griot, incentivar a produção orgânica ou biológica também é positivo para o consumidor. Isso porque, “à medida que aumenta a produção orgânica, o consumo se organiza melhor. A alteração na política agrícola é importante, não só para o consumo humano, mas para o meio ambiente. Portanto, todo mundo ganha”.
Para a Glaci Alves, da Coolméia, “as pessoas mudam através da dor, do medo, do susto. As pessoas se unem para se salvar. E isso foi o que aconteceu na França, país que viveu grandes tragédias, como
Chernobyl e o mal da vaca louca”, destaca a agrônoma. “Vivemos num país desinformado, mas apesar disso, manter a soberania alimentar passa pela luta contra os transgênicos”.
No Rio Grande do Sul, o deputado estadual Elvino Bohn Gass (PT) apresentou projeto de lei para tornar o Estado livre de transgênicos.
“Mas a Assembléia Legislativa votou que o Estado não poderia fiscalizar as lavouras”, desabafa o parlamentar, ao destacar a possibilidade da comunidade pressionar o Parlamento, contra, até mesmo, a alteração da Medida Provisória lançada pelo Governo Federal e que libera a comercialização da atual safra de soja, contaminada por grãos transgênicos, contrabandeados, cujos produtores infringiram a Lei e ainda hoje ameaçam continuar na ilegalidade. Para Bohn Gass, os consumidores devem atentar para o artigo 2º da Medida Provisória, que proíbe a produção de transgênicos para as safras seguintes. Como alternativa, o deputado defendeu a reconversão e a descontaminação das lavouras.
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Elvino B. Gass |
(Texto da Jornalista Adriane B Rodrigues - adriane@ecoagencia.com.br para EcoAgência de Notícias - Fotografias de Andrea Farias - Edição final da EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br)