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28-mar-03
A Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, AS-PTA, uma das entidades coordenadoras do seminário A Ameaça dos Transgênicos: propostas da sociedade civil, realizado em Brasília na semana passada, divulgou comunicado à imprensa criticando a decisão por não discutir com a sociedade civil organizada as propostas apresentadas para solucionar o problema. O Governo Federal liberou a venda da safra de soja transgênica, que está sendo colhida no Rio Grande do Sul a partir deste mês, através da Medida Provisória 113, de 26 de março de 2003, publicada no Diário Oficial da União no dia 27.
Segundo um dos coordenadores do evento de Brasília, Jean Marc von der Weid, a Comissão Interministerial criada para discutir o problema foi esvaziada, uma vez que a decisão ficou restrita a um grupo incluindo os Ministros José Dirceu, Marina Silva e Roberto Rodrigues e, em um segundo momento, estendido aos Ministros Palocci, Gushiken e ao próprio Presidente Lula. “A ausência de outros Ministros, em particular o da Saúde, mostra que estas reuniões tinham por objetivo quebrar a resistência da Ministra do Meio Ambiente”, afirma Jean Marc no comunicado divulgado ontem.
Edi Maria Mussoi, presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores do RS adianta que a entidade irá promover uma intensa campanha de esclarecimento entre os consumidores acerca da incerteza sobre os riscos para a saúde com o consumo de OGM, além de estudar medidas legais junto ao PROCON, a fim de garantir que a rotulagem e a fiscalização dos produtos que serão postos no mercado brasileiro a partir do processamento dessa safra.
O IDEC, Instituto de Defesa do Consumidor, também lamenta a MP e está encaminhando um pedido de esclarecimentos ao presidente Luis Inácio Lula da Silva. O instituto quer saber por que o governo se preocupou tanto com os agricultores infratores “e não com a população brasileira que nada fez de errado e terá que engolir soja transgênica plantada ilegalmente no Rio Grande do Sul.” Para eles, a atitude do governo Lula é antidemocrática porque não respeita as decisões do Legislativo e do Judiciário, uma vez que existe legislação proibindo a produção e comercialização de alimentos geneticamente modificados, e estabelecendo a necessidade de Estudos de Impacto Ambiental para a produção desses alimentos.
Os esclarecimentos pedidos pelo IDEC também atingem a ANVISA. Eles querem saber qual será a orientação e os procedimentos para fiscalizar o cumprimento das medidas sobre a rotulagem dos produtos que contêm alimentos transgênicos, já que o Decreto 3.871/01, que não obriga a rotulagem, não foi revogado junto à publicação da MP 113. Além disso, a liberação da safra passa a mão por cima dos agricultores infratores, já que não há medidas concretas para beneficiar os agricultores que respeitaram a decisão judicial e a legislação, como no estado do Paraná.
Jean Marc, da AS-PTA acusa o governo federal de ter cedido às pressões do governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, bem como da FARSUL e dos grandes produtores que plantaram as sementes contrabandeadas. Em função dessa capitulação, o IDEC teme que outras culturas fora dos parâmetros legais, como por exemplo, contaminados com agrotóxicos não autorizados ou acima dos limites permitidos, sintam-se à vontade para fazer lobby e receber o mesmo tratamento dos agricultores infratores do Rio Grande do Sul.
CONFLITO DE DADOS — Os dados sobre o nível de contaminação da safra de soja no país são desencontrados e pouco confiáveis. O Ministro Roberto Rodrigues, em declaração aos jornais após a liberação, falou em 8% da safra nacional, o que corresponde a 4 milhões de toneladas. Anteriormente, alguns membros do governo de vários Ministérios falaram em 30% da safra nacional, ou 15 milhões de toneladas. Outros precisaram estimativas de 70% da safra do RS, 30% da safra do Paraná e 15% da safra do MS, o que resulta em 9,6 milhões de toneladas. A AS-PTA aponta que, no entanto, ninguém informou a fonte desses dados.
As informações constantes no comunicado da AS-PTA, recolhidas entre entidades da sociedade civil, incluindo todas as organizações de produtores familiares do país, indicam uma outra realidade. Segundo a Associação, não há uma contaminação generalizada da safra nacional tal como fica insinuado quando se fala em porcentagens em geral, sem indicação das regiões onde ocorre a contaminação.
As sementes de soja transgênica contrabandeadas da Argentina ou do Paraguai foram desenvolvidas pela Monsanto para regiões especificas e se adaptam apenas para regiões assemelhadas, isto é, o RS, SC, PR e MS (na faixa da fronteira com o Paraguai). A produção de Santa Catarina é pequena e existe uma lei estadual que foi aplicada pelo governo de Esperidião Amim, do PPB, impedindo os cultivos transgênicos. No Paraná, o governador Jaime Lerner, do PFL, apoiado por todas as organizações de grandes, médios e pequenos produtores realizou um rigoroso controle de plantios clandestinos e a contaminação atual é residual.
Eles apontam que no MS, que também tem uma legislação estadual proibindo cultivos transgênicos, “o controle do governo de Zeca do PT foi frouxo e avaliamos que a faixa próxima à fronteira está bastante contaminada, representando talvez os 15% da safra (570 mil toneladas) daquele estado - no RS que o descontrole foi generalizado"
O problema do RS não é exatamente a quantidade total da soja transgênica plantada mas na sua disseminação em todas as regiões produtoras do estado, o gera uma grande dificuldade de segregação, principalmente porque a colheita começou sem nenhuma orientação legal, o que aumenta o índice de contaminação da soja não-transgênica durante o processo de transporte e armazenagem.
Todos estes cálculos indicam que o governo teria que lidar com um total de soja contaminada que não pode, legalmente, ser vendida no país, da ordem de 9 milhões de toneladas. A solução proposta pelas 85 organizações da sociedade civil reunidas no seminário de Brasília foi a exportação. O Brasil deve exportar este ano mais de 31 milhões de toneladas do grão, sobrando quase 19 milhões para o mercado interno.
Mesmo com as crescentes restrições do mercado internacional para a soja transgênica, a avaliação das entidades reunidas em Brasília é de que ainda há mercado para a produção desse ano. A China foi apontada como a escolha preferencial, pois ainda aceita qualquer tipo de grão até setembro, quando pretende restringir a entrada de alimentos geneticamente modificados. O mercado Chinês deve comprar até lá cerca de 16 milhões de toneladas de soja.
Outro ponto levantado é a necessidade de esclarecimento quanto aos argumentos difundidos pelos produtores infratores e as empresas de produção de sementes modificadas, de afirmam que essas sementes aumentam a produção com custos reduzidos. As estatísticas governamentais indicam que a produtividade da soja gaúcha, a mais contaminada do país por transgênicos, foi a mais baixa entre todos os estados. Por outro lado, o consumo de herbicidas no RS foi o que mais cresceu desde 1999, quando se iniciou o plantio ilegal de soja transgênica. O aumento foi de quase 50%, enquanto em quase todos os estados produtores (exceção Goiás) houve redução do uso de herbicidas (47,6% a menos no Paraná e 53,4% a menos no Mato Grosso).
A redução do custo de produção na soja transgênica é mais fruto da redução do preço do herbicida Roundup, usado nas lavouras desse tipo de soja, em quase 70%. Os agricultores também não estão pagando o custo real da semente, pois não lhes é cobrada a “taxa tecnológica” da Monsanto embutida no preço das sementes nos EUA.
PROPOSTAS — O IDEC está solicitando ao governo a reedição da MP, para determinar que o produto transgênico seja somente exportado e não colocado no mercado interno; revogação do Decreto 3.871/01, substituindo-o por outro que estabeleça regras para a rotulagem de transgênicos; determinação de medidas imediatas dos órgãos federais competentes para apuração e punição dos responsáveis pela entrada das sementes transgênicas no país por contrabando, incluindo autoridades, e setores empresariais que estimularam, mediante anúncios e outras formas de publicidade, o plantio ilegal; estabelecimento de rigorosa fiscalização dos produtos colocados no mercado para impedir alimentos transgênicos sem rotulagem e punição dos infratores e a criação de meios concretos de reconhecimento e estímulo aos agricultores e aos estados, como o Paraná, que adotaram medidas para cumprir a lei e a decisão judicial.
Texto de Gisele Neuls, do Núcleo dos Ecojornalistas do RS - gisele@ecoagencia.com.br