O repetido plantio de soja transgênica contrabandeada no Rio Grande do Sul, pelo menos desde 1999,
originou um problema jurídico, econômico, ambiental e social de proporções gigantescas.
EXCLUSIVO - Direto de Brasília - EcoAgência de Notícias
20-mar-03
Não há certeza sobre quanta soja RoundUp Ready foi plantada, mas estima-se que apenas cerca de 30% das lavouras do Rio Grande do Sul (o Estado mais ao sul do Brasil) foram plantadas com soja convencional ou orgânica, um cálculo feito a partir dos dados de venda de sementes convencionais certificadas. O fato é que tanto grandes produtores, quanto pequenos e mesmo assentados estão prontos para colher a soja geneticamente modificada, estimada em 7 a 8 milhões de toneladas, avaliadas em R$ 1,2 bilhões.
O cenário é complicado: se a soja for vendida para o mercado externo, o Brasil será identificado como país produtor de alimentos geneticamente modificados, podendo perder espaço nos mercados europeu e japonês, onde os consumidores estão cada vez mais exigentes em relação à origem dos produtos comercializados nos seus países. Hoje o Brasil é o único país com capacidade para abastecer esses mercados com soja convencional. Os outros dois países com grande capacidade produtiva, Estados Unidos e Argentina, são produtores de soja transgênica. Caso seja vendida no mercado interno, estará sendo legitimada a produção e consumo de um produto ilegal, sem sequer oferecer aos consumidores a opção de não consumir alimentos contendo a soja transgênica, uma vez que não há leis exigindo a rotulação de produtos que contenham organismos geneticamente modificados.
Se aplicado o rigor da lei, a exemplo de plantações de maconha, um cultivo igualmente proibido no país, essa soja deveria ser apreendida e incinerada. Entretanto, mesmo sendo a solução juridicamente correta, essa é uma opção danosa especialmente para as pequenas propriedades, e aqui começam os problemas sociais.
Ciro Eduardo Corrêa é membro do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST e lamenta o ocorrido com alguns assentamentos gaúchos. Ele lembra que os assentados fazem parte da sociedade brasileira como um todo, e em especial de um grupo economicamente frágil dela, e por isso foram seduzidos com a possibilidade de aumentar seus rendimentos. “Nós entendemos que os grande produtores, as associações patronais e as empresas multinacionais com interesse na implantação desse modelo de agricultura usaram os assentados e pequenos produtores como escudo para criar esse fato que estamos vendo agora. Comprometeram toda essa rede de pequenos produtores para usá-los como escudo no sentido de que se houver uma apreensão e queima da produção, isso cria um agravamento da situação de pobreza dos pequenos agricultores” .
As sementes contrabandeadas foram vendidas por um preço mais baixo que as convencionais, sem pagar os royalties obrigatórios se o produto fosse legal no país, uma vez que todos os organismos geneticamente modificados existentes são patenteados e protegidos por leis internacionais de proteção aos Direitos de Propriedade Intelectual.
Outros problemas econômicos com graves implicações sociais já estão em curso no estado. Segundo Siderley Oliveira, da Confederação dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação, CONTAC, várias empresas gaúchas já estão enfrentando problemas com a exportação de carnes e outros alimentos processados. Oliveira afirma que as empresas estão tendo que vender seus produtos no mercado japonês e europeu por um preço mais baixo que o negociado antes das notícias da contaminação da lavoura gaúcha. Algumas empresas já fecharam o ano anterior com balaços negativos em função das denúncias de plantio de grãos transgênicos no estado, mas não querem divulgar a informação temendo que suas ações nas bolsas de valores caiam, causando prejuízo maior. Se o cenário piorar, os trabalhadores temem demissões em massa e a transferência das indústrias para outros estados.
Esse quadro que se apresenta já é suficientemente complicado sem acrescentar as implicações ambientais e de saúde. Não existem pesquisas significativas que apontem maior eficiência das lavouras de organismos geneticamente modificados em relação às lavouras convencionais. Assim como também as pesquisas sobre os impactos na saúde e ambiente são insuficientes para se apontar segurança total no consumo desses alimentos. Já existem casos relatados de alergias relacionadas a milho transgênico; além disso, o cruzamento dessas espécies criadas a partir da engenharia genética com espécies selvagens pode causar um grave impacto ambiental, afetando a diversidade de espécies ou modificando radicalmente plantas nativas similiares.
Considerando todos estes aspectos, as discussões no Seminário Ameaça dos Transgênicos, que está acontecendo em Brasília desde terça-feira, apontam para algumas questões de consenso: esse plantio foi ilegal e é preciso que se cumpra a lei em alguma medida, punindo os responsáveis desde a venda das sementes, até órgãos governamentais que não cumpriram seu papel de garantir o cumprimento das leis do país, como governos estadual e federal e suas agências e a Polícia Federal.
Os representantes das 83 entidades reunidas no Centro de Estudo Sindical Rural também apontam que, caso essa safra seja vendida, ela deverá ter um preço mais baixo que a soja convencional e orgânica, e ser totalmente segregada desde a plantação, para evitar que a produção de soja riograndense seja contaminada durante o armazenamento e transporte..
Gisele Neuls* gisele@ecoagencia.com.br Exclusivo para EcoAgência
* Gisele Neuls viajou à Brasília a convite dos organizadores do evento