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JAPÃO - Patrick MacCully: o guerrilheiro contra a máfia da água
Para ele, vem aí uma nova onda de incentivo às privatizações, que já fracassaram na última década

EXCLUSIVO - Direto do Japão - EcoAgência de Notícias
17-mar-03

Carlos Tautz*

Patrick McCuly se autodefine como “um pacífico guerrilheiro das águas”, por defender com ações políticas os rios da America Latina (contra projetos hidrovias com milhares de quilômetros), da China (onde o governo desloca dois milhões de pessoas para construir a megahidrelétrica Três Gargantas) e de onde mais for necessário.

A briga mais recente desse irlandês de 37 anos, que dirige a Rede Internacional de Rios (IRN, pela sigla em inglês) é contra o que ele chama de “a máfia das águas”, uma conjunção da tecnoburocracia do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e de megaempresas privadas que vivem de fazer lobby pelo desenvolvimento de obras e mais obras, como se essa fosse a solucao para o processo de acelerada escassez de água potável na Terra.

Nas últimas semanas, Paddy, como a militância internacional da água o chama, tem-se dedicado a dois alvos em especial. O primeiro é sobre a nova estratégia do Banco Mundial para o financiamento de grandes projetos que envolvam água. (No Brasil, o banco pretende financiar a transposição do Rio São Francisco, a hidrovia no Rio Paraná, hidrelétricas na Amazônia, o comitê da bacia do Rio Paraíba do Sul, a Agência Nacional de Águas e vários projetos em Estados do nordeste).

O outro alvo é o Relatório Michel Camdessus, um calhamaco que o ex-diretor executivo do FMI elaborou a pedido do Conselho Mundial de Águas, e que sugere meios de financiamento para infraestrutura de armazenamento e distribuição da água.

O Banco Mundial acaba de divulgar sua nova estratégia para financiamento de projetos relacionados com a água, em que cita especificamente o Brasil. E o Conselho Mundial da Água divulgou o relatório Camdessus.

Qual a sua opinião sobre as propostas contidas nos dois documentos?

Eles são um retrocesso. Desconsideram avanços dos últimos cinco anos, quando governos, agências multilaterais e pesquisadores apontaram a necessidade de desenvolvermos novas formas de compreender o problema da água, não mais na forma dos grandes projetos que não resolveram problemas sociais e ambientais. O Banco Mundial insiste que ainda não construimos infraestrutura suficiente e quer estimular mais obras.

O fracasso dessa política aconteceu principalmente com a privatização das empresas públicas, conforme a estratégia do Banco na última década. As privatizações fracassaram principalmente nas áreas rurais. O fracasso também atinge as empresas de distribuição de água que perderam muito dinheiro em Buenos Aires e Tucumán, na Argentina, em Manila, nas Filipinas, no Peru. Em Cochabamba, na Bolívia, a privatização gerou protestos e morte nas ruas e terminou no cancelamento do contrato com as empresas de distribuição de água, que agora estao processando o governo boliviano para receber de volta seus investimentos.

O Banco Mundial perdeu uma ótima oportunidade de dizer: "Esse modelo de privatização não deu certo - precisamos de um modelo público que seja eficiente e auditável nas cidades e que tenha baixo custo nas áreas rurais".

Em vez disso, o Banco quer mais subsídios para empresas privadas. Mas, uma das razões pelas quais o Banco estimulou a privatização nao era a de que o setor público não tinha recursos para investir em água? Os únicos beneficiados serão as empresas privadas.

Quem compõe o que o sr. chama de “a máfia da água”?

O Banco e o Conselho, entre outros, que dizem a mesma coisa: precisamos de 180 bilhões de dólares em investimentos na infraestrutura - o setor público não tem esses recursos, temos de trazer o setor privado. Por detrás desses documentos está, por exemplo, Joe Briscoe, o conselheiro sênior do Banco Mundial e o principal formulador da estratégia do setor privado para os recursos hídricos. O Conselho descreve-se como um centro de pesquisas sobre gestão dos recursos hídricos, mas na verdade é um lobby de seus membros, que são as empresas de engenharia, de distribuição de água, construção de barragens, agências governamentais e financiadores, como o próprio Banco Mundial. Eles não se preocupam com as populações pobres. Querem construir mais e mais infraestrutura e precsam de dinheiro mpúblico.

Os dois relatórios sequer mencionam o acesso à água como direito humano.

Eventualmente você até lê esse tipo de coisa, escrito em uma bela linguagem. O Relatório Camdessus cita a todo momento a defesa que as Nações Unidas fazem da água como direito humano e até observa que as empresas privadas não se interessam pelo fornecimento de água às zonas rurais. Ao mesmo tempo, promove a participação do setor privado como a resposta para atender as chamadas Metas de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidas pela ONU, segundo a qual devemos atender às necessidades de as pessoas terem acesso à água.

Devemos lembrar que cerca de 81% das pessoas que não têm acesso à água se encontram no campo. Isso não faz qualquer sentido. O que acontece com esses relatórios é que a bela linguagem empregada ignora que a posição do Banco Mundial, em eventos como o Fórum Mundial da Água, é legitimar a visão de que se necessita de construir mais e mais infraestrutura que trazem benefícios sociais, que precisamos colocar dinheiro do governo em sa construção, que as ONGs e que os movimentos sociais estão errados.

O sr acredita que é possível reverter a tendência internacional de privatização e desregulamentação dos serviços de água?

Sim! Essa tendência aprofundou-se rapidamente e chegou ao pico em 1997. Agora, com essa nova estratégia, o Banco Mundial tenta atrair investidores estrangeiros oferecendo subsídios públicos. Mas, ainda com esses incentivos, acho dificil os investidores voltarem a ação porque os riscos são muito grandes.

O sr concorda que no Fórum Mundial da Água estão em disputa dois projetos: um, que defende a idéia de que o acesso à água é um direito humano, e outro, que sustenta a tese da privatização e desregulamentação?

Há dois campos aqui, mas eu não os classificaria desta forma. A questão da água como direito humano é consenso nos dois lados. As empresas de de construção e de distribuição de água estão muito contentes com a idéia do direito humano, porque isso lhes dá a oportunidade de ganhar um bom dinheiro garantindo esse direito. Eles dizem que é uma necessidade.

De fato, o Banco Mundial e o governo dos Estados Unidos dizem que é uma necessidade. A grande disputa é entre os setores público e privado. As empresas particulares acreditam que devem ter um papel de destaque e que o setor público deve subsidiá-las. Há também uma disputa entre os que defendem projetos descentralizados em pequena escala para atender às zonas rurais e o lobby das grandes barragens, que estimula a construção de grandes canais, aquedutos etc.

O Banco Mundial também diz que vai voltar a financiar grande projetos. Acredito que há poucos países em que esses projetos podem ser desenvolvidos sem oposição organizada. É provável que o consigam por exemplo no Laos, onde a sociedade civil é muito fraca, ou na China, onde é muito difícil fazer oposição.

E há condições políticas para o financiamento desse tipo de projeto no Brasil?

Não sei. Eles gostariam de financiar projetos como a transposição do Rio São Francisco, mas no Brasil estão muito bem organizados grupos da sociedade civil, como o Movimento de Atingidos pelas Barragens (MAB). Alem disso, creio que o governo Lula é muito mais receptivo às preocupações das pessoas afetadas.

*O repórter viajou a convite da Fundação Ford  - Jornalista Carlost Tautz -   tautz@ecoagencia.com.br - EcoAgência de Notícias


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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