De: - EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
Date: 28-jan-03
Time: 07:54:40
A construção de uma sociedade economicamente sustentável e socialmente justa é o maior desafio deste milênio. Vivemos em um planeta em crise e nosso modelo de desenvolvimento — o modelo ocidental de produção de riqueza e pobreza — é um modelo de tendência ecocida.
No Brasil, esse desafio se mostra estratégico para a elaboração de políticas públicas, e o Ministério do Meio Ambiente tem recebido atenção inédita da mídia e vários setores da sociedade civil. O meio ambiente foi uma pauta constante nas conferências e oficinas do II Fórum Mundial de Educação e III Fórum Social Mundial, tendo a Ministra Marina Silva recebido atenção especial de pensadores da ecologia como Fritjof Capra e Leonardo Boff.
Em entrevista exclusiva concedida à Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e à EcoAgência, durante as atividades do Fórum Social Mundial, o Secretário do Desenvolvimento Sustentável do MInistério do Meio Ambiente, Gilney Viana, fala dos desafios para a pasta do meio ambiente e da participação da sociedade civil organizada nas ações do Ministério.
Repórter — Como o Ministério do Meio Ambiente pretende se articular para receber as propostas e demandas da sociedade civil?
Gilney Viana — Olha, a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável é o locus privilegiado para fazer o diálogo sobre o planejamento estratégico de governo que é configurado no PPA, que é o Plano Plurianual de 2004 a 2007. Dele decorrem as estratégias, as metas, os programas para se constituir os orçamentos anuais. É decisão da Ministra Marina Silva, de toda sua equipe, de que nós vamos fazer do PPA um Orçamento Participativo no Ministério, e acho que isso também vai ocorrer progressivamente em todo o Governo Lula. É claro que tivemos algumas dificuldades, mas nós fizemos algumas reuniões aqui no Fórum, e a partir da articulação com as redes representativas das dezenas, milhares de ONGs, talvez nós estejamos dando o primeiro passo de uma participação organizada da sociedade no destino da economia do país.
Repórter — A secretaria que está sendo liderada por Tarso Genro, que está sendo chamada de Secretaria do Pacto Social, é parceira desta atividade?
Gilney Viana — Exatamente. O Tarso articula a sociedade com a sua participação no governo num nível mais estratégico. Quando o pessoal das redes de entidades sócio-ambientais propôs uma reunião em pensei exatamente no Tarso. De a gente levar essa demanda, e eu falei isso tanto com a Ministra Marina, e certamente através dela ao Tarso Genro, para que, num nível mais geral, ele faça esta articulação. Ou fazer ao nível do Ministério, nível das demandas mais específicas, e num nível mais geral, Tarso Genro faz esta articulação. É pra isso que ele está lá.
Repórter — Em relação ao calendário apertado para a transição, para receber o Ministério, e ainda fazer o planejamento plurianual, existe alguma possibilidade de alongar este prazo?
Gilney Viana — O presidente Lula determinou que as prioridades para 2003 devem ser definidas até o dia 30 de janeiro, com uma margem de tolerância de alguns dias para que os Ministérios apresentem suas prioridades. O PPA já está em elaboração no Ministério do Meio Ambiente, no Ministério do Planejamento. Nós estamos compondo as equipes ainda. A transição governamental propriamente dita, ela ainda está em curso. Então, como diz a Marina, nós temos que ao mesmo tempo pilotar o avião e fazer as reformas.
Repórter — A área ambiental tem ações envolvidas em todos os ministérios. Como é possível articular estes ministérios para que não façam cada um uma coisa, para que eles dialoguem entre si?
Gilney Viana — A grande chave está na palavra transversalidade, de tal forma que um Ministério converse com o outro, uma Secretaria intercambie com outra, para que o Governo tenha uma ação unitária, e gaste os recursos públicos com proficiência, que dê resultados socialmente esperados, não multiplique iniciativas, superposição de programas, que só desgastam o governo e às vezes não chegam ao produto final adequadamente.
Então isso é orientação do presidente Lula, e no nosso Ministério isso acontecia muito. Ainda que nós não possamos unificar tudo de imediato, porque isso demora um tempo, nós vamos articular interministerial e intraministerial – tanto dentro dos Ministérios como entre todo o corpo de Ministérios e Autarquias. Destal forma nós otimizamos recursos e potencializamos a nossa ação, e os resultados são melhores.
Repórter — O Ministério já está pensando em ações para resolver os problemas da Biopirataria na Amazônia, no Serrado e no Pantanal?
Gilney Viana — Sim, nós vamos revisar a lei de acesso aos recursos genéticos, que está em tramitação. A medida provisória não é satisfatória para nós. Nós vamos ter um programa, que é o PROBEM, que está na minha secretaria, que é um programa de bioprospecção. O Brasil precisa se apropriar da pesquisa científica dos seus recursos genéticos, dos seus bens naturais, e definir quais são passíveis de processamento tecnológico e possam ir ao mercado. Nós precisamos cuidar das patentes deles, assegurar que as populações tradicionais tenha acesso, ganhos com esse patenteamento, inclusive as populações indígenas, e principalmente que nós não estejamos submetidos aos monopólios estrangeiros, que muitas vezes pesquisam legal ou ilegalmente a nossa flora, a nossa fauna, patenteia lá e vêm nos vender. Ou seja, isso é um absurdo que nós vamos enfrentar com todo o vigor.
Repórter — O Ministério tem influência sobre a composição da CTNBio?
Gilney Viana — É uma proposta do Ministério, já na transição nós fizemos isso - eu, em comum acordo com a Ministra Marina, de que a CTNBio pudesse ser transferida para o Ministério do Meio Ambiente. Este é um processo de convencimento dos outros ministérios e do presidente da República que nós temos que dar um tempo.
Mas uma coisa é certa: nós não aceitaremos de forma alguma que a CTNBio se desobrigue dos compromissos ambientais, do licenciamento ambiental e dos estudos necessários. Isto o Ministério tem posição clara, especialmente sobre os transgênicos, numa posição de que não vamos liberar. Pode demorar um ano, dois anos, dez anos, até que nos convençam de que não faz mal à saúde e ao meio ambiente.
Repórter — Isso não pode gerar um conflito com o atual Ministro da Agricultura?
Gilney Viana — Olha, conflito é normal, em casa, na família, no Governo, em toda instituição, mas a Ministra Marina Silva está conduzindo este conflito com muita competência, e acho que nós vamos vencer.
Repórter — Como funciona o lobby das ONGs e das entidades ambientalistas em Brasília?
Gilney Viana — Primeiro nós precisamos definir bem o que é lobby. Geralmente há um conceito na sociedade de que lobby é coisa de troca de dinheiro, de carros, de coisa ilegal. Não é correto isso. Isso existe em Brasília também, mas o lobby é uma atividade perfeitamente aceitável quando é eticamente conduzida. Então, por exemplo, quando as redes de ONGs vão ao Ministério, se elas tem interesse, elas legitimamente pleiteiam. O que é errado é as pessoas fazerem as coisas de forma escondida, ficarem comprando os votos dos outros, se beneficiarem da coisa pública sem legitimidade e querer colocar na boca do governo seus interesses sem que a população saiba. Isso é lobby ilegal e aético. O lobby ético, nós queremos como parceiro do governo, às claras, legalmente estabelecido.
Repórter — O orçamento do Ministério do Meio Ambiente não é um dificultador? É um orçamento que dá conta das necessidades no Ministério?
Gilney Viana — O orçamento proposto era de 1 bilhão de reais. Nós esticamos ele, com meu esforço, esforço da Marina e de outros Senadores e de nossa liderança na Câmara e no Senado. E valeu, porque nós chegamos a 1 bilhão e 300 milhões.
O orçamento é razoável. Não é grande e nem pequeno. O problema todo é que nós queremos fazer política ambiental de governo, e não de ministério, então nós precisamos que o Planejamento se articule com a gente, o Ministério da Integração se articule com a gente, o Ministério de Infra-estrutura... Onde tem obras, serviços e programas, que se articulem com a gente, porque aí sim nós vamos incluir a dimensão ambiental em todas as atitudes do governo, com repercussão na sociedade.
O Governo tem que dar o bom exemplo para que os agentes privados, os consumidores, os cidadãos e cidadãs, possam se comportar também, e compreender que os que estão em cima estão respeitando a lei e tendo uma posição ética e ecologicamente correta. Se isso ocorrer, o orçamento vai ser muito maior do ponto de vista prático do que o que está determinado pela lei.
Gisele Neuls - gisele@ecoagencia.com.br © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 - http://www.ecoagencia.com.br .