As últimas notícias da EcoAgência
[ Página Inicial - Buscar - ]


FSM - ONGs protestam contra privatização dos recursos naturais

De: - EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
Data: 26-jan-03
Hora: 16:38:11

O representante da Aliança por um Mundo Responsável e Solidário, o tunisiano Mohammad Larbi, propôs neste domingo pela manhã, durante o painel “Pelo Pleno Acesso à Água, Comida e Terra”, realizado no cais do porto, que o Fórum Social Mundial convoque uma assembléia mundial cidadã para tratar do direito dos povos ao livre acesso à água.

Ele também sugeriu que seja organizada uma governança mundial da água, pois muitas organizações já cuidam dos recursos hídricos, mas ainda atuam isoladamente. É necessário, diz o dirigente, que sejam realizadas a despoluição e a descontaminação das águas em 600 grandes cidades da África, Ásia e América, a declaração de moratória em relação à construção de grandes represas e a implantação de serviços de irrigação que respeitem a natureza e o desenvolvimento ambientalmente sustentável.

De acordo com Larbi, o Fórum Mundial da Água realizado em Haia (Holanda), em 2000, errou ao decidir que a água é apenas uma necessidade dos cidadãos. “Mais que isso, ela é um direito de todos, e as organizações não-governamentais estão mobilizadas para que o tema seja tratado sob esse enfoque.” Ele ressaltou que a colaboração da iniciativa privada é bem-vinda, mas a comercialização da água é incompatível com a necessária utilização dela como serviço público. “Ela é um bem comum, insubstituível e essencial à vida. O acesso à água para todos é um dos maiores desafios da humanidade, principalmente em razão das mudanças climáticas do planeta.”

A privatização dos recursos hídricos, afirmou Larbi, foi feita sob a alegação de tornarem os serviços públicos mais eficientes, mas acabou gerando mais problemas. Dando o exemplo da Grã-Bretanha, que privatizou totalmente o setor, ele conta que os ingleses estão constantemente sujeitos a cortes no fornecimento do serviço até mesmo na área de saúde. “Os contratos firmados entre os municípios e o setor privado nem sempre são transparentes.” O tunisiano citou dados segundo os quais 30 mil pessoas morrem diariamente no mundo vítimas de doenças hídricas, devido à falta de acesso à água ou ao consumo de água contaminada. Entre os principais problemas, ele cita o aumento da demanda, a poluição dos lençóis freáticos e o desperdício. “É importante que revisemos nosso modelo de consumo. Atualmente, as formas de produção agrícola e industrial desperdiçam muita água.”

Direitos Humanos

Integrante em El Salvador da organização não-governamental Amigos da Terra, Silvia Quiroa afirmou que o desrespeito ao direito de todos terem acesso à água, à terra e aos alimentos é também uma violação aos direitos humanos.

Segundo ela, 6 mil crianças morrem no mundo inteiro, diariamente, porque não têm acesso à água ou porque consomem água contaminada. “Existem dois problemas principais: o acesso aos recursos hídricos e a qualidade da água consumida. Um sexto da população mundial não tem acesso a ela.” Silvia considerou “vergonhoso e intolerável” que uma em cada sete pessoas no planeta sofram com a fome, o que, segundo ela, significa o fracasso dos sistemas econômicos vigentes, “que colocam o lucro acima dos interesses da população”. A ambientalista defende o maior acesso aos alimentos pela população e a prática de uma agricultura sustentável com participação da comunidade e dos agricultores, “que devem decidir o que desejam produzir e elaborar políticas de segurança alimentar”.

Ela denunciou ainda que organismos internacionais de regulação, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), pressionam os governos em favor da privatização dos recursos naturais e da unificação de taxas de câmbio, em benefício das multinacionais. A idéia de livre comércio internacional, segundo Silvia, apresentada como uma solução para todos os problemas, se constitui em uma ameaça à soberania dos povos. A terra e a água, afirma, não deveriam estar sujeitos a nenhum tipo de privatização.

Ela citou a multinacional Monsanto como exemplo de empresas que têm “interesses estratégicos poderosos” na exploração da biodiversidade e dos recursos hídricos. “Para as transnacionais, os interesses da população não são prioridade. A água é um bem inalienável que deve ser administrada pelas comunidades locais.”

Reforma Agrária

O francês Michel Merlet, do Instituto de Investigação e Aplicações de Métodos de Desenvolvimento (Iram France en Reseau), declarou que a reforma agrária é indispensável no mundo inteiro como forma de garantir a toda população o acesso aos recursos naturais e o direito à terra. “Mas reforma agrária não significa apenas recolonização de terras virgens.” Merlet lembra que a expropriação de terras dos camponeses ocorre em todo o mundo, traduzindo-se em perda cada vez maior do acesso à terra e, conseqüentemente, em empobrecimento dos trabalhadores da zona rural. “Camponês sem terra deixa de ser camponês.” Para ele, é necessário questionar a transformação da terra em mercadoria, pois, sendo um direito de todos, não poderia ser destruída.

Merlet observa, no entanto, que a reforma agrária não pode ser feita apenas com camponeses e agricultores, sendo necessário envolver também outros setores da sociedade, num verdadeiro movimento político. Ele lembra que os países que incentivaram e desenvolveram a agricultura familiar conseguiram controlar melhor o mercado fundiário, intervindo nele para permitir que um tipo de prática agrícola considerada mais saudável para a sociedade pudesse prosperar. “É necessário que a sociedade se capacite a gerir recursos públicos como a água e a terra, com criação de instâncias locais de gestão de direitos e mediação de conflitos.” Os indígenas, exemplificou, têm dado bons exemplos de gestão de seus territórios.

O militante colombiano de defesa dos direitos humanos Hector Mondragon garantiu que os camponeses, os indígenas e os afrodescendentes de seu país estão dispostos a resistir à ameaça de intervenção dos Estados Unidos e a defender os recursos naturais. De acordo com Mondragon, grandes empresas transnacionais são responsáveis, atualmente, pelo controle da produção e comercialização de produtos agrícolas na Colômbia. Ele adverte que uma intervenção norte-americana naquele país, através do chamado Plano Colômbia, geraria uma guerra ao estilo da que ocorreu no Vietnã. “A intervenção norte-americana na Colômbia serviria para que a guerra se espalhasse por toda a América.”

Mondragon denuncia ainda o assassinato sistemático de dirigentes sindicais camponeses, bem como de indígenas e de afrodescendentes. Segundo ele, 1.700 dirigentes camponeses já foram assassinados nos últimos dez anos. A pretexto de travar uma guerra contra o tráfico de drogas, os Estados Unidos patrocinam uma guerra química contra camponeses e indígenas, acrescentou.

Carlos Scomazzon - carlos@ecoagencia.com.br - © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 - http://www.ecoagencia.com.br .


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
O texto divulgado pela EcoAgência de forma EXCLUSIVA poderá ser aproveitado livremente em outros saites e veículos informativos, condicionada esta divulgação à inclusão da seguinte informação no corpo do material: Nome do Jornalista - e-mail © EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br.

As fotografias deverão ser negociadas com seus autores.