Data: 26-jan-03
Thiago Edu, do Movimento Roessler de Defesa Ambiental, de Novo Hamburgo, RS, escreveu a respeito da Conferência de Capra:
Momento histórico da ecologia reúne Fritjof Capra, Leonardo Boff e Lama Padma Samten no Araújo Viana. Ciência, religião e valores se fundem para querer um mundo melhor. Sábado pela manhã, 25 de janeiro de 2003, Porto Alegre.
Ao abrir o diálogo, Celso Marques faz analogia do ecologista com a ave símbolo de nosso estado, o Quero-quero. Pássaro que, ao contrário da maioria faz seu ninho no chão, mais perto da terra (ver texto em http://www.agirazul.com.br/fsm4/_fsm/00000066.htm). Tal qual o ativista ecológico, o quero-quero, ao menor sinal de perigo voa, investindo contra o invasor e reafirmando seu querer com seu canto característico. Mas não um querer para si só, mas junto com o querer de todas as coisas, os seres vivos, a paisagem, o ambiente natural, a querência. Celso, ao ler o texto assinado por AGAPAN, CEA, Mov. Roessler e NEJ, vê o Fórum Social Mundial como uma revoada de quero-queros, com o propósito de aquerenciar a humanidade à mãe Terra, ecoando pelo mundo o aviso do perigo iminente. Fritjof Capra, falando um pouco de sua trajetória, explicou porque largou a física quântica para se dedicar ao ativismo ecológico e educação ambiental.
Quando se busca respostas sobre questões críticas de nosso tempo, como saúde, economia, educação, sociedade e a vida em geral, a ciência tradicional somente enxerga mecanismos, cujos processos podem ser explicados em números, e seus efeitos previstos a partir das causas . Esta visão não satisfez o cientista, concluindo que seria necessária uma abordagem mais ampla, inspirando-se então, nos sistemas vivos. Dentro deste novo paradigma, Capra observou que os processos não são lineares, como normalmente descritos, desenvolvendo conceitos chave que ajudam a desvendar a maravilha da vida em nosso planeta. Em primeiro lugar, reconhece que a rede é o padrão natural da vida. Sistemas de relações que se conectam e se inserem em sistemas maiores, que aumentam em complexidade e estabilidade. Onde há vida, há redes e, no segundo insight, diz que onde há redes, há ciclos por onde a matéria circula e se transforma, e a energia flui a partir do sol. O que sobra de uma espécie é alimento de outra, sucessivamente. E todos estão interconectados e são dependentes uns do sucesso dos outros.
Fritjof salienta dois grandes movimentos nas últimas décadas. Enquanto as comunidades sustentáveis e os movimentos ecológicos propõem valores humanos, respeitando a habilidade natural da biosfera de manter a vida, o Capitalismo, agora turbinado eletronicamente, visando somente os valores monetários, acumula cada vez mais poder e transforma, cada vez mais rápido, a economia mundial em um “cassino global operado eletronicamente”. A consequëncia desta estrutura já se faz sentir em todos os países, na forma de exclusão social, desastre ecológico, exaustão de recursos naturais, destruição de povos e culturas, demonstrando que o capitalismo global falhou.
O argumento de que o desenvolvimento do capital global acabaria beneficiando a todos é falso, pois os custos sociais e ambientais não são computados, quando a floresta vira monocultura, quando populações são deslocadas ou espécies exterminadas. Para a OMC não importa se há leis trabalhistas ou ambientais no caminho, a vida se torna um commodity.
Felizmente, existe um movimento crescente que reconhece que esta estrutura vigente não é natural, mas criada pelo homem. Pode e deve ser modificada, com ênfase em outros valores. Não através da tecnologia, mas de mudanças na política, sendo o papel das ONGs, na virada deste século, crucial para formar o cerne destes novos valores. Desde a coalizão de Seattle até o III FSM, uma nova sociedade civil assume um papel efetivamente político, de forma independente, agregando intelectuais e ativistas, que pesquisam e projetam formas de fazer a política democrática, a agricultura sadia, entendendo que a justiça social e a sustentabilidade ecológica são inseparáveis.
Sustentabilidade ecológica, segundo Lester Brown definiu, no início dos anos oitenta, é quando são satisfeitas as necessidades desta geração sem comprometer a perspectiva das gerações futuras. Este conceito nos lembra de nossa responsabilidade social, mas não diz como fazer uma sociedade sustentável, então precisamos de um conceito operacional, que não precisa ser inventado do zero. Basta se inspirar nos sistemas vivos e suas extraordinárias habilidades para sustentar a vida, que tomou conta deste planeta há 3,5 bilhões de anos, não através de combate, mas de networking (trabalhando em rede). Nossa sociedade então, deve se inspirar, mais que interferir, na natureza. Deve ser alfabetizada ecologicamente, pois esta será uma habilidade crítica para políticos, cientistas, professores de todos os níveis. Deve se aprender os fundamentos básicos da vida: o padrão de rede, os ciclos, o fluxo de energia, e então redesenhar a estrutura que fará a ponte entre o homem e seu ambiente, mudando o foco, do que pode ser extraído da natureza, para o que pode ser aprendido com a natureza.
As alternativas estão aí, bem documentadas,sobre a energia solar ou eólica, por exemplo, tecnologias que crescem rapidamente em capacidade de geração, enquanto o carvão tem se mostrado cada vez mais ineficiente. Células de combustível que, movidas pelo sol, combinam as moléculas de hidrogênio com oxigênio, gerando eletricidade barata, tendo como subproduto água, somente. Pura e cristalina. Alguns países já pesquisam e aplicam esta tecnologia, que pode revolucionar nosso modo de vida, construindo inclusive carros com consumo de 18 a 30 km/l, que serão pequenas usinas de força, limpas e baratas. Enquanto não estão sendo utilizados (na maior parte do tempo) os carros podem gerar energia, para benefício de quem os usa. O petróleo, além das altas emissões de carbono, terá seu preço elevado até se tornar inviável. Hoje em dia, o custo militar para controlar a produção representa metade do que custa o barril de petróleo, e esta tendência vai aumentar a medida que as reservas do combustível se concentram em áreas cujas políticas são instáveis historicamente. Mas não é preciso esperar que o petróleo acabe, pois “não foi por falta de pedras que o homem saiu da idade da pedra”, mas sim por adotar tecnologias mais eficientes.
Esta transição implica profundas mudanças nas políticas militares, atualmente dirigidas para o óleo como recurso estratégico. Se este investimento na indústria bélica fosse canalizado para combater a fome e a pobreza, seria então verdadeiramente eficiente no combate ao terrorismo. Leonardo Boff, lembrando dos valores e ética, apontados por Capra, sugere três principios básicos, mínimos para o planeta. Não de uma cultura hegemônica, mas enraizada no que é comum na humanidade, auto-evidente, vinculada ao nosso cotidiano. O primeiro é o Cuidado, o saber cuidar, que está ligado com a preservação, com a lógica natural da vida. Estabelecer uma relação amorosa com a Terra. O segundo é a Cooperação, com todos os elementos conspirando para manter a biodiversidade e a harmonia no planeta, ao contrário da competição, da lei do mais forte. O terceiro princípio é o da Compaixão, respeitando as diferentes etnias, tradições e visões de mundo.
Não é ter pena, mas compaixão no sentido budista da palavra, diz Boff. Com – paixão: ter a mesma paixão, o querer em comum. Tudo o que vive deve poder existir, desde o mais fraco, desde a menor criatura.O teólogo enfatiza ainda três virtudes, como consenso mínimo na humanidade, a Hospitalidade, acolhendo o diferente e não rejeitando, a Convivência, mais que tolerância, o viver junto, sendo diferente mas não desigual e a Comensalidade, o comer junto, sentar na mesma mesa; companheiro, o que divide o pão. Conclui, animado como a platéia que vibrava com suas palavras, se unindo à mensagem de Capra, que a sustentabilidade da humanidade depende da sustentabilidade da natureza.
Amigo antigo de Celso Marques, através do qual teve o primeiro contato com o budismo, o Lama Padma Samten reconhece o desafio de integrar mundos no trabalho de Fritjof Capra e vê Leonardo Boff como a esperança de incorporar ideais éticos na vida prática, ultrapassando os limites das instituições. O lama fala da dificuldade de enxergar o erro em nós mesmos, quando colocamos a culpa nos outros. Diz que não devemos dividir o mundo em bons e maus, pois todos temos coisas a superar e isto nos unee nos faz perceber que não é fácil seguir o que acreditamos ser o correto. Segundo os ensinamentos de Buda, todos temos na mente a mesma natureza pura e luminosa, impulsionada pela motivação correta ou não. Se esta luz passar pelo cristal de emoções positivas, iremos gerar ações positivas, para nós e todos os outros.
Da mesma forma podemos gerar ações negativas, se não reforçarmos os valores positivos, e este brilho representa um desafio interno a ser superado. Todos querem a felicidade, querem deixar de sofrer, e isto se alcança através da prática da compaixão, quando a visão se amplia de forma a ver o outro como parte de nós mesmos. Se nos alegramos com o outro, então não há limites entre nós. Nossa verdadeira natureza vai além do que percebemos como nossa identidade, pois estamos em constante transformação. Portanto, a visão de mundo que nos ajudou no passado pode nos limitar a visão hoje. Passou o tempo do missionário, de converter alguém. O III FSM proporciona um diálogo na horizontal, onde as diferenças são riquezas.
Capitalismo, finança eletrônica globalizada, acumulação de poder, desigualdade social, degradação da vida; os valores humanos podem mudar, e a mudança já começou.