As últimas notícias da EcoAgência
[ Página Inicial - Buscar - ]


FSM - Fazendeiro Percy Schmeiser denuncia apropriações da Monsanto

 

stein2003-01-24_14.11.05foto
EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
25-jan-03

Percy Schmeiser falando no 3° FSM
Foto de Carlos Stein - mais fotos sobre o evento em
http://www.papaluz.com.br/fsm2003/forum06/index.htm

 

“Não importa como as sementes modificadas entram nos campos de um fazendeiro. Elas se tornam propriedade da Monsanto”, lamenta Percy Schmeiser, fazendeiro de origem européia, que desde 1947, cultiva canola e trigo no oeste do Canadá. Schmeiser testemunhou na sexta-feira, 24, à tarde, durante o 3º Fórum Social Mundial, para uma platéia de mais de 500 pessoas, que o aplaudiram em pé.

Ele é um dos muitos fazendeiros canadenses processados pela multinacional Monsanto, por ter tido sua lavoura contaminada por genes transgênicos, polinizados de cultivos vizinhos. Tudo começou em 1998, quando Percy Schmeiser foi processado pela Monsanto, que alegava violação à lei de patentes da empresa, que é proprietária de sementes geneticamente modificadas. “Foi uma total surpresa. Nunca usei sementes modificadas em 50 anos de trabalho e nem encontrei qualquer representante da Monsanto”. Mas a existência de sementes modificadas foi detectada nas terras de Schmeiser, oriundas de uma plantação vizinha. “Para a Monsanto, não importa como as sementes modificadas chegam em outras lavouras. Elas contaminam nossas sementes e, no meu caso, destróem 50 anos de trabalho”.

No Canadá, uma lei federal declara o direito dos fazendeiros de usar uma semente de um ano para o outro. “Para o juiz que julgou meu processo, a lei de patentes da Monsanto está acima de todos os direitos e privilégios de fazendeiros”. E continua “todas as minhas sementes se tornaram propriedade da Monsanto e não importa o grau de contaminação ou se ela ocorre por polinização, pelos ventos, pássaros ou pelas abelhas... Para o fazendeiro que sofreu essa contaminação, isso significa um controle total do suprimento de sementes e de alimentos no mundo.

Durante o processo da Monsanto contra Schmeiser, ocorreu o que ele considera um avanço. Em dezembro passado, a Corte Suprema do Canadá decidiu proibir patentear formas superiores de vida. Ele explica que forma de vida superior é de uma semente ou de uma planta, e uma forma de vida inferior é a das bactérias e fermentos. Depois dessa emenda favorável ao caso de Percy Schmeiser, seu processo deve ser concluído em março ou abril deste ano.

Alerta

O objetivo do testemunho de Percy Schmeiser no Fórum Social Mundial é alertar os agricultores da América do Sul e Central, contra o assédio da Monsanto. Para difundir sua tecnologia genética, a multinacional promete tornar as sementes mais nutritivas e aumentar a colheita. A promessa de que os agricultores usariam menos insumos químicos seduziu os fazendeiros no Canadá, que desde 1940 utilizavam muitas toneladas de agrotóxicos, contaminando a terra e a água.

A ilusão de 1996 durou pouco. Em dois ou três anos, os fazendeiros canadenses descobriram que as sementes modificadas de canola e de soja não dão boa colheita. “A produtividade da semente modificada está 15% abaixo da semente convencional”. Além disso, a qualidade dos grãos, jamais citada nos anúncios e publicidade, cai mais ou menos pela metade.

Schmeiser alerta que os fazendeiros canadenses “estão usando pelo menos cinco vezes mais insumos químicos do que antes”. Isso porque a canola desenvolveu uma super-erva, “tomando” os genes de outras três ou quatro companhias que, como a Monsanto, vendem sementes modificadas. “Esses genes estão agora na mesma planta e é preciso três ou quatro químicos muito poderosos para matar essa nova super-erva”, que, segundo Schmeiser, se espalhou em todas as lavouras de canola no oeste do Canadá.

Denúncias - Contratos com multinacional vão além da ética e da segurança

No Canadá, a Monsanto controla todas as sementes a partir de um contrato com os fazendeiros, onde a empresa determina, entre outras cláusulas, que “os fazendeiros não podem usar as sementes de um ano para outro ano, devem comprar todos os anos as sementes e os insumos químicos da Monsanto”, cita Schmeiser ao denunciar ainda que cada fazendeiro canadense deve pagar uma chamada “taxa de tecnologia” aproximada de U$ 45,00 por hectare/ano.

Além disso, o contrato tira o direito de liberdade e expressão dos fazendeiros, que não podem violar o contrato nem denunciar o “combate” ou o processo movido pela empresa. Para Schmeiser, a cláusula mais importante do contrato é a grande e potente força policial da Monsanto. “No Canadá, a Monsanto contratou soldados da polícia montada e, nos EUA, o serviço de detetives para policiar esses contratos. Ou seja, se você assinar o contrato com a empresa para plantar sementes modificadas, deve aceitar que a polícia da Monsanto venha na sua terra e verifique o que está fazendo, mesmo três anos depois da assinatura do contrato”, explica Schmeiser, ao destacar que a partir deste ano (2003), foi incluída no contrato a cláusula de que o fazendeiro não pode processar a Monsanto nem ir aos tribunais se houver algo de errado com a semente.

Intimidações

A empresa também monitora regiões ou lavouras que podem conter sementes contrabandeadas ou “ilegais”, lançando seus herbicidas sobre fazendas suspeitas e 10 dias depois, conferindo o uso de OGMs desenvolvidos pela Monsanto. Ou seja, se a plantação morrer é porque não usavam sementes da Monsanto, mas se a lavoura for adiante, aí é porque usavam essas sementes.

A polícia da Monsanto também atua mediante denúncias, que reforçam essas vistorias. Anúncios em jornais e folhetos distribuídos no Canadá sugerem que sejam denunciados os produtores “e vizinhos” que plantam OGMs sem licença. “Quando a Monsanto recebe essa informação, envia policiais que ameaçam tirar a posse da fazenda do agricultor ou repassar uma multa de 50 ou U$ 100 mil”, diz. Com essas medidas, os fazendeiros não confiam mais entre si. “Meus avós vieram da Europa na virada do século e trabalharam com os vizinhos para criar escolas e cidades. E agora, a suspeita permanente e a desconfiança entre as pessoas está destruindo as comunidades”.

Uma outra cláusula do contrato com a Monsanto se refere à comercialização. “Não podemos mais vender a produção para a União Européia. A gente pode só mandar para Japão, México e EUA”, diz, ao reforçar que “os custos de produção aumentaram muito e os preços pagos caíram pela metade. Temos também muitos processos nos Tribunais, dos fazendeiros contra a Monsanto e da Monsanto contra os fazendeiros”.

Perdas

A introdução de sementes modificadas no solo canadense destruiu, não só as sementes puras, mas a biodiversidade. “Não temos mais sementes de canola que não estejam contaminadas. É tudo OGMs. O mesmo ocorre com a soja. Está tudo contaminado e isso aconteceu nos últimos quatro anos”, detona Schmeiser, ao acrescentar que essa “infestação” de transgênicos foi devastadora para os fazendeiros orgânicos, que não conseguem mais plantar sementes orgânicas de soja ou de canola.

Se você permitir, não poderá mais conter as sementes modificadas. Elas se movem através dos ventos, dos pássaros e da polinização cruzada. Isso vale para as áreas de testes ou “faixa tampão”. Você não pode contê-las”, diz Schmeiser, que alerta: “Se você introduzir sementes modificadas em qualquer parte do Brasil ou em qualquer outro país, vai destruir as fazendas orgânicas e os fazendeiros convencionais. É impossível ter as duas coisas, porque os genes das sementes modificadas são dominantes e controlam qualquer semente ou planta na qual eles “entram”.”

Opção

“Não vim para o Brasil, para o Fórum Social Mundial, para dizer às pessoas de muitos países do mundo o quê fazer. Vim para dizer o que aconteceu conosco no Canadá, com os fazendeiros”, destaca Schmeiser, ao afirmar que “nossa opção acabou. Não deixe isso acontecer com vocês. Em 1996, nós, como fazendeiros do Canadá, não tínhamos ninguém para nos dizer o que ia acontecer. Vocês têm esse benefício e vão decidir o que vai ser feito no Brasil. Nós ouvimos as companhias e agora estamos pagando esse preço”.

Schmeiser aconselha aos agricultores a não assinarem o contrato com a Monsanto, que tira o direito de uso de suas próprias sementes, voltando a um processo feudal, onde o agricultor fica escravo das sementes modificadas, afetando inclusive o fornecimento dos alimentos. “Não dá para conter o processo e não existe coexistência de métodos de cultivo. Onde tem transgênico não existirá mais plantações convencionais nem orgânicas”. Schmeiser também cita outras questões que reforçam a não adoção das sementes modificadas pelos agricultores. É a contaminação, a longo prazo, dos intestinos humanos por bactérias e vírus desconhecidos, “coisas que estão fora do contrato e que, recombinadas, dão origem a novas doenças”, antecipa.

“Tenho 72 anos e minha esposa, 71. Temos quatro filhos e quatro netos. Estamos lutando contra a perda dos nossos direitos como fazendeiros e não queremos deixar veneno como herança. Queremos deixar uma herança sem venenos. É por isso que estamos aqui hoje, no Brasil. Não sabemos quantos anos ainda temos de vida, mas nos anos em que vivermos, vamos continuar lutando contra a Monsanto”, conclui.

 

Texto da Jornalista Adriane Bertoglio Rodrigues - adriane@ecoagencia.com.br - © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 - http://www.ecoagencia.com.br .


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
O texto divulgado pela EcoAgência de forma EXCLUSIVA poderá ser aproveitado livremente em outros saites e veículos informativos, condicionada esta divulgação à inclusão da seguinte informação no corpo do material: Nome do Jornalista - e-mail © EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br.

As fotografias deverão ser negociadas com seus autores.