De: - EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
Data: 24-jan-03
Hora: 20:07:55
As empresas de telefonia celular deveriam investir menos em propaganda e mais em infra-estrutura para evitar que as cidades se transformem em paliteiros de radiações. Esta foi a sugestão apontada pelo coordenador-executivo da Associação Brasileira de Defesa dos Moradores e Usuários Intranqüilos com Equipamentos de Telecomunicações Celular (Abradecel), João Carlos Rodrigues Peres, pouco antes da abertura do seminário realizado pela entidade na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, na manhã de hoje (24/1).
“Enquanto o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) discute uma distância mínima entre as fontes de radiação de 15,6 metros seguindo o padrão norte-americano, em Porto Alegre, onde existe uma mas mais avançadas legislações do mundo em termos de proteção às radiações de celulares, essa distância está determinada em pelo menos 40 metros”, explicou. Uma das soluções para diminuir o efeito paliteiro e, conseqüentemente, os danos da poluição eletromagnética, diz ele, seria um investimento maior das empresas em áreas para espaçar mais as antenas.
Peres classificou como “impostura” e “falta de responsabilidade” a ausência de representantes das empresas do setor no debate e lembrou que está tramitando no Congresso Nacional um substitutivo, fruto de sete projetos de lei, com o objetivo de adoção no Brasil do padrão suíço de limite máximo de radiação eletromagnética, que é cem vezes inferior ao estabelecido pela International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection (ICNIRP), dos Estados Unidos.
“O problema do padrão ICNIRP não é apenas ele ser mais elevado (da ordem de 435 miliwatts por centímetro quadrado), mas sim ele ser previsto para exposições de curta duração, o que quase sempre não acontece”, ressaltou. O “sumiço” de dados no saite da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informando sobre o número de antenas de celulares no Brasil, bem como uma proposta das operadoras de telefonia celular, feita no ano passado, para que o licenciamento ambiental das estações de radiobase tramitassem em até 30 dias, soou como sinal de alerta para a Abradecel. “Elas (as empresas) estão colocando as leis de mercado acima da proteção individual”, assinalou.
As radiações não-ionizantes são aquelas emitidas em freqüências inferiores 3,3 x 105 Hertz, típicas de microondas e aparelhos de telefonia celular. Que elas causam danos à saúde, ninguém mais duvida. Até mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece oficialmente os efeitos térmicos derivados dessas radiações, como distúrbios no ritmo circadiano (sono/vigília), redução da imunidade biológica, catarata etc.
Mas os efeitos térmicos, como interferências de troca iônica entre células, com alterações no metabolismo do íon cálcio, e até mesmo mudanças na base genética, ainda não são oficialmente confirmadas pela OMS. Conforme o professor Francisco de Assis Ferreira Tejo, do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (PB), um dos painelistas do evento, fatores como origem étnica, tempo de exposição, proximidade da fonte e outros são significativos quanto à maior ou menor intensidade dos efeitos biológicos dessas radiações. “A espécie humana não teve tempo de desenvolver uma imunidade eletromagnética, assim como o fizeram outras espécies animais”, explicou.
O problema é que o corpo humano funciona como uma antena hipersensível e capta toda essa lixeira invisível que cruza o espaço. Desde 1945, quando se intensificou o uso de equipamentos de telefonia e radar , a densidade de eletromagnetsimo só aumentou. Com a era do celular, que explodiu no Brasil em meados da década passada, a tendência é haver cada vez mais com que se preocupar em termos de exposição.
As entidades que representam empresas de telefonia estimavam, há poucos anos, que haveria 1,3 bilhão de aparelhos celulares no mundo. “Já estamos com 2,3 bilhões”, atestou Ferreira Tejo. E a Anatel, que esperava 25 milhões de unidades em operação, até 2005, também errou. “Estamos com 34 milhões de aparelhos no Brasil, e o que preocupa é a sua utilização em massa por um grande número de jovens, que são mais sensíveis que os adultos às radiações eletromagnéticas”, disse.
Apesar de a OMS prever apenas para 2007 a conclusão das pesquisas de seus técnicos sobre os efeitos não-térmicos das radiações eletromagnéticas, muitos cientistas, em diversas partes do mundo, vêm demonstrando relações causais entre exposição a esses agentes e doenças degenerativas como câncer, leucemia e males de Parkinson e Alzheimer. “Num congresso internacional realizado em Viena, em 1998, cientistas concordaram que os efeitos biológicos são estabelecidos”, contou o professor paraibano. Redução de melatonina, causada pelo desequilíbrio no metabolismo do íon cálcio, danos ao DNA e aos cromossomos, fadigam distúrbios do sono, depressão, aceleração do envelhecimento celular, foram, naquela ocasião, apontados como alguns desses efeitos.
“Precisamos uniformizar procedimentos e métodos de pesquisa e criar um programa nacional de bioeletromagnetismo”, sugeriu.
O maior problema atualmente, com relação à exposição eletromagnética, é a falta de informações sobre os limites máximos de exposição e, pior, a falta de informação de que esses limites são, de fato, superados pelo simples uso corriqueiro dos aparelhos de telefonia celular.
De acordo com o professor Álvaro Augusto de Salles, do Departamento de Engenharia Elétrica da UFRGS, as pesquisas biomédicas nesta área estão muito lentas frente aos avanços tecnológicos da telefonia celular, que são muito rápidos. “Campos eletromagnéticos com intensidade mil vezes menor que o padrão ICNIRP já causam danos de ressonância celular, como probabilidade de desenvolver tumores”, disse.
Já o pesquisador Jorge Lisboa, também da UFRGS, lembrou que as radiações das antenas de celular têm raio de ação maior na horizontal do que na vertical. “Para a norma suíça, a segurança, no plano horizontal, se dá a partir de 60 metros, enquanto para a norma norte-americana (padrão ICNRP), está segurança já é dada a apenas seis metros da fonte irradiadora”, comparou. A falta de uma legislação nacional sobre o quesito limite de exposição humana causa mais estranheza entre os pesquisadores à medida que até para equipamentos já existem critérios.
Há uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), de 1997, segundo a qual a distância segura entre equipamentos que emitam radiações eletromagnéticas é de 80 a 90 metros, a fim de que o campo eletromagnético de um não interfira com o de outro.”Será que equipamentos como rádios e outros são mais sensíveis que seres humanos?”, pergunta Lisboa.
Quem pensa que a situação é melhor nos Estados Unidos está enganado. A ativista Libby Kelley, da ONG Council on Wireless Technology Impacts (CWTI), que tem um extenso currículo de trabalhos prestados na área de saúde pública, citou pesquisas de epidemiologistas de seu país que garantem a proliferação de fontes eletromagnéticas e seu conseqüente “aquecimento dos tecidos humanos” é um problema pior que o do aquecimento global. Ela se disse surpresa com o poder do lobby das empresas de telefonia.
“Para proibir o uso do benzeno, fizeram apenas cinco pesquisas sobre os efeitos dessa substância à saúde Mas no caso do eletromagnestismo, estamos com quatro ou cinco décadas de pesquisa, e não se conclui nada oficialmente”, observou. O problema da associação entre doenças e radiações eletromagnéticas, conforme Kelley, não é de hoje: “Logo que a eletricidade começou a ser usada nos Estados Unidos, um número grande de crianças que moravam perto de estações de transmissão passou a apresentar leucemia”.
Mas há poucos estudos sérios e isentos sobre o tema. A maior parte deles é financiada por empresas do setor, e os resultados acabam sendo os esperados: não se encontra nexo causal entre a exposição e as doenças. Uma das poucas exceções é o estudo do Departamento de Saúde do Estado da Califórnia, que foi financiado pela Comissão de Finanças Públicas do Estado. O relatório desse estudo, divulgado no ano passado, identificou uma relação epidemiológica entre exposição a campos eletromagnéticos e leucemia. “Mas houve pouco interesse da mídia pelo assunto”, queixou-se a ativista.
Hoje, Estados Unidos, Canadá, Alemanha e França ostentam os mais altos índices de limite de exposição humana a radiofreqüências eletromagnéticas. Nos EUA e no Canadá, são 580 miliwatts por centímetro quadrado, conforme o padrão ICNIRP. E as novas gerações de telefones celulares que estão vindo só tendem a agravar a densidade de exposição. Cresce cada vez mais o uso de personal communication system (PCS), wireless (redes sem fio) e banda E (na faixa de 1,8 mil a 2,2 mil MHz de freqüência).
Enquanto a tecnologia é turbinada, o “abacaxi” da fiscalização e da imposição de limites mais estreitos é triturado pelo lobby das grandes empresas. As entidades repassam o problema entre si, mas ninguém o assume. Kelley comentou que o Federal Communication Council (FCC), equivalente à Anatel brasileira, não se debruça sobre questões de saúde ligadas à radiofreqüência, ou seja, trata apenas do limite técnico-legal, para que as empresas cumpram a lei. Pior: tem apenas três engenheiros. E a Environmental Protection Agency (EPA) dispõe de apenas um profissional para fazer medições de densidade de potência. “Mas ele trabalha meio turno apenas, e a EPA está desde 1995 sem dinheiro para comprar equipamentos adequados”, esclareceu Kelley. E mais o Departamento de Controle de Doenças (CDC) também dá de ombros sobre o problema, e a FDA, o órgão federal de alimentação e drogas, trabalha com uma soma gorda de dinheiro das empresas de telecomunicações. “Como, então, vai fazer alguma coisa?”, pergunta a ativista.
Cláudia Viegas, claudia@ecoagencia.com.br - © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 - http://www.ecoagencia.com.br .