Tribunal de Justiça do Estado do RS
Órgão Especial 

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI QUE ALTERA O CÓDIGO FLORESTAL DO ESTADO, AMPLIANDO OS CASOS DE UTILIZAÇÃO DE FOGO E QUEIMADAS NAS FLORESTAS E DEMAIS FORMAS DE VEGETAÇÃO NATURAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL QUE PROPICIA A DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. OFENSA AOS ARTS. 13, V E 251,§ 1º, I, II, VII E XIII DA CE/89.

 

 

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

       TRIBUNAL PLENO

Nº 70001436658

 

PORTO ALEGRE

EXMO. SR. DR. PROCURADOR-GERAL DE

JUSTIÇA

 

 

PROPONENTE

EXMO. SR. PRESIDENTE DA ASSEMBLÉIA

LEGISLATIVA DO ESTADO

 

REQUERIDO

 

EXMO. SR. DR. PROCURADOR-GERAL DO

ESTADO

GESP – GRUPO ECOLÓGICO SENTINELA

DOS PAMPAS

 

 

 

INTERESSADOS

 

A C Ó R D Ã O

 

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça deste Estado, por maioria, em julgar procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 11.498, de 04 de julho de 2000, vencidos os Desembargadores Clarindo Favretto, Antônio Carlos N. de Mangabeira, Délio Spalding de Almeida Wedy, Sergio Pilla da Silva e Antonio Guilherme Tanger Jardim, que a julgavam improcedente, e, em parte, o Desembargador Vasco Della Giustina, que a julgava parcialmente procedente.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Tael João Selistre (Presidente, com voto), Sergio Pilla da Silva, Cacildo de Andrade Xavier, Clarindo Favretto, Antônio Carlos N. de Mangabeira, José Eugênio Tedesco, Osvaldo Stefanello, Antonio Carlos Stangler Pereira, Paulo Augusto Monte Lopes, Aristides P. de Albuquerque Neto, Ranolfo Vieira, Délio Spalding de Almeida Wedy, Vasco Della Giustina, Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, Maria Berenice Dias, Danúbio Edon Franco, Antonio Guilherme Tanger Jardim, Luiz Ari Azambuja Ramos, João Carlos Branco Cardoso, Marco Antônio Barbosa Leal e Leo Lima.

Porto Alegre, 21 de maio de 2001.

 

 

DES. ÉLVIO SCHUCH PINTO,

Relator.

 

R E L A T Ó R I O

 

DES. ÉLVIO SCHUCH PINTO (RELATOR) – Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral de Justiça com o objetivo da retirada do ordenamento jurídico da Lei nº 11.498/00, promulgada pelo Poder Legislativo Estadual, que altera o Código Florestal do Estado no que refere ao uso do fogo ou queimadas em áreas de pousio.

Reza o texto hostilizado:

“Art. 1º - Os parágrafos 1º e 2º do artigo 28, da Lei n. 9.519, de 21 de janeiro de 1992, passam a ter a seguinte redação:

‘§ 1º - Poderá ser utilizado o fogo como meio de controle e eliminação de pragas e doenças, como forma de tratamento fitossanitário, bem como em áreas já utilizadas anteriormente para lavoura, se peculiaridades locais ou regionais assim justificarem, e mediante permissão do órgão do Poder Público Estadual ou Municipal.

§ 2º - A permissão referida no parágrafo anterior deverá basear-se em laudo emitido por técnico competente credenciado pelo Poder Público Estadual ou Municipal, que circunscreverá a área a ser atingida e estabelecerá as normas de precaução a serem seguidas’.

Art. 2º - Fica autorizada, mediante laudo emitido por técnico competente credenciado pelo Poder Público Municipal, a queima controlada de campos nativos, como técnica de manejo agropastoril, obedecida também a legislação federal.

Art. 3º  - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.” 

Alega ofensa aos artigos 1º, 13, V, e 251, § 1º, I, VI, VII, XIII, da Constituição Estadual, porquanto a norma promulgada pelo Legislativo Estadual permite a degradação do meio ambiente pelo uso do fogo em campos nativos.

Em despacho de fl. 270, deferi o pedido de liminar, suspendendo a eficácia da Lei Estadual referida.

Manifestaram-se o Procurador-Geral do Estado (fl. 276) e o Presidente da Assembléia Legislativa (fls. 278/299).

O douto Procurador-Geral de Justiça exarou parecer, opinando pela procedência da ação direta, ratificando os termos do pedido inicial.

É o relatório.

 

V O T O

 

DES. ÉLVIO SCHUCH PINTO (RELATOR) – É de ser acolhida a presente ação direta.

A lei hostilizada altera o art. 28 do Código Florestal Estadual, Lei nº 9.519/92, que rezava:

“Art. 28. É proibido o uso de fogo ou queimadas nas florestas e demais formas de vegetação natural.

§ 1º - Em caso de controle e eliminação de pragas ou doenças, como forma de tratamento fitossanitário, o uso de fogo, desde que não seja de forma contínua, dependerá de licença do órgão florestal competente.

§ 2º - No caso previsto no par. 1º, o órgão florestal competente deverá difundir critérios e normas de queima controlada, assim como campanha de esclarecimento de combate de incêndios”.

As alterações introduzidas pela Lei nº 11.498/00 acrescentaram a possibilidade do uso de fogo, além dos casos de eliminação de pragas e doenças, também nas áreas já anteriormente utilizadas para lavoura e em campos nativos como técnica de manejo agropastoril, mediante permissão do Poder Público Estadual ou Municipal.

Verifica-se uma ampliação das exceções à vedação de uso do fogo ou queimadas nas florestas e demais formas de vegetação, incluindo-se os casos em que se verifica a prática de pousio, que consiste  no descanso da terra utilizada para lavoura pelo período de 2 a 4 anos. O uso do fogo, nesta hipótese, é adotado como forma de limpeza do campo para novo plantio, propiciando a eliminação da vegetação crescida no período de descanso.

A ampliação permite, ainda, a queima de campos nativos, como técnica de manejo agropastoril, mediante simples laudo emitido por técnico competente credenciado pelo Poder Público Municipal.

Tal ampliação, contudo, não se afigura constitucional.

Embora o uso do fogo e as queimadas facilitem o cultivo da terra, como demonstrado nas informações da Assembléia Legislativa, não há dúvidas de que prejudicam e degradam o meio ambiente, causando  poluição do ar e erosão do solo, assoreamento do curso das águas,  perda da biodiversidade, afetando negativamente a fauna e impedindo a regeneração da floresta (fl. 266); sem falar na emissão de gás carbônico, principal responsável pelo aumento do efeito estufa.

Além disso, a autorização da queima de campos nativos, constantes no art. 2º da lei guerreada, não traz quaisquer restrições à queima de áreas de preservação, podendo ocasionar queimadas em áreas como a Mata Atlântica, por exemplo.

São inúmeros, portanto, os prejuízos que poderão advir ao meio ambiente pela norma hostilizada em flagrante ofensa aos arts. 13, V, e  251, § 1º, I, II, VII e XIII, da Carta Provincial, segundo os quais:

“Art. 13. É da competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

V – promover a proteção ambiental preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem a extinção da espécie ou submetam os animais à crueldade”.

“Art. 251. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, o Estado desenvolverá ações permanentes de proteção, restauração e fiscalização do meio ambiente, incumbindo-lhe, primordialmente:

I – prevenir, combater e controlar a poluição e a erosão em qualquer de suas formas;

II – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, obras e monumentos artísticos, históricos e naturais, e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, definindo em lei os espaços territoriais a serem protegidos;

(...)

VII – proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, vedadas as  práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais à crueldade;

(...)

XIII – combater as queimadas responsabilizando o usuário da terra por suas conseqüências”.

A Constituição, em tais dispositivos, garante o direito ao meio ambiente equilibrado, impondo ao Poder Público os deveres de proteção, preservação, restauração, fiscalização e, especialmente, no que releva ao caso em tela,  o combate às queimadas.

Ora, permitir a utilização do fogo nos campos, com todos os prejuízos que deste advêm, é uma afronta manifesta à Carta Estadual.    Ainda mais quando comprovado que existem outras formas de utilização do campo, que dispensam a prática das queimadas, como bem apontou o engenheiro agrônomo Dirceu N. Gassen, em artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil no dia 23 de maio de 2000 (fl. 193):

“O pousio durante 2 a 4 anos, como justificativa no Projeto, também não é mais adotado em agricultura. Ao contrário, as boas práticas agrícolas recomendam a rotação de culturas, a cobertura com plantas e manutenção de palha para recuperar o solo dos pontos de vista químico, físico e biológico. E jamais a queima de palha para recuperar o plantio.

Atualmente, existem roçadoras, picadores de restos culturais e semeadoras para plantio direto que permitem o corte da vegetação e a manutenção desta na superfície do solo.

(...)

Esse Projeto de Lei contraria a evolução da tecnologia em agricultura e as demandas da sociedade pela produção de alimentos com o menor impacto negativo sobre ambiente natural”.

Nesse sentido, as razões do veto do Governador do Estado ao Projeto da Lei objeto da presente ação são elucidativas:

“O projeto de lei, uma vez sancionado e editado em lei, poderá trazer significativo prejuízo ambiental, pois permitirá a utilização do fogo em toda  e qualquer área que já tenha sido explorada como lavoura, bem como em florestas nativas que também já foram utilizadas para o mesmo fim, independentemente do lapso temporal e da situação atual da área.

Equivocadamente, a medida proposta não considera o tipo de lavoura anteriormente existente na área, nem o momento em que esta foi utilizada para tal ou contempla qualquer tipo de preocupação com a vegetação existente no local”.

Não vejo, portanto, como se possa manter a ampliação da utilização do fogo nas lavouras em pousio e nos campos nativos para o manejo da atividade agropastoril.

Ainda que o desenvolvimento das atividades do campo seja de importância para a economia familiar daqueles que vivem na zona rural e, de igual modo, para a economia do Estado, a permissão de prática que degrada o meio ambiente é inadmissível perante o ordenamento jurídico vigente, consistindo em ameaça ao direito constitucionalmente garantido de um meio ambiente equilibrado.   

Por fim, vale lembrar os precedentes desta Corte a respeito de leis municipais permitindo queimadas nos seus âmbitos territoriais, onde se reconheceu a inconstitucionalidade material dos referidos instrumentos, por ofensa às normas de proteção ambiental (ADIn 594123739, ADIn 594139669, ADIn 594134017).

Ante o exposto, julgo procedente a presente ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 11.498/00, por ofensa aos artigos 13, V  e 251, § 1º, incisos I, II, VII e XIII da Constituição Estadual.

 

DES. OSVALDO STEFANELLO – Sr. Presidente: Adianto de logo que estou acompanhando o voto do eminente Relator.

Vou fazer algumas rápidas ponderações a respeito da matéria, uma vez que de todo relevante, chamando a atenção para uma passagem do parecer do Ministério Público na qual realça que é sabido que as queimadas agridem o solo e o meio-ambiente, fomentando a erosão e a destruição de nascentes e banhados, tratando-se de técnica arcaica de limpeza dos campos.

Desejo referir, modo especial, a segunda passagem do §1o do art. 21 ora em discussão, que trata de queimadas em áreas já utilizadas como lavouras, se peculiaridades locais ou regionais assim justificarem, mediante permissão de Órgão do Poder Público Estadual ou Municipal. Evidente se me parece que o objetivo da lei é a queimada de restevas após a colheita especialmente do trigo, do soja, do milho, do sorgo e outros produtos agrícolas.

No entanto, não se leva em conta uma circunstância de extrema relevância no que diz com a queimada de lavouras, que é a recomposição do solo; recomposição de nutrientes que são feitos exatamente pelas restevas, ou seja, pelos restos que ficam sobre o solo e que, virado, se transformam em fortalecimento do próprio solo, da própria terra agricultável. Quando não, hoje, utilizada a técnica do plantio direto, quando haja possibilidade de duas safras durante um ano, ou seja, a safra de verão, milho, soja, sorgo, e safra de inverno, que é exatamente o trigo, ou vive-versa, o plantio da safra de verão sobre a resteva do próprio trigo, sem que haja necessidade de virar essa terra ou ará-la para que melhor produza.

Na realidade, essas queimadas só servem para a esterilização do solo da lavoura. Quem conhece um mínimo de como funciona o plantio, a colheita e a necessidade de conservação do solo sabe que o fogo nunca será útil para a melhoria do solo de uma lavoura.

Quanto á queimada no campo, o fogo só se justificaria para a limpeza de grota ou bamburral, apenas para isso.

No entanto, quem conhece o Interior, quem nasceu e lá se criou sabe que a grota e o bamburral também têm sua relevância para efeito de conservação, tanto da flora quanto da fauna, especialmente da fauna,  pois muitos animais têm seu habitat exatamente nesses bamburrais e nessas grotas.

E para que serviria a queimada do campo? Serviria para, por um curto período de tempo, reformar o capim, que o animal come ao natural. E falo por curto espaço de tempo, porque esse capim nasce, cresce, os animais alimentam-se dele, e, depois, se transforma novamente em capim velho, com novas queimadas, até a completa inutilização do solo.

Desejo dizer com isso que esse aparente benefício da queimada, mesmo em uma grota ou num bamburral, acaba sendo extremamente prejudicial, ou seja, produz muito mais prejuízos do que eventual e passageiro benefício.

Foi dito, há pouco, da Tribuna, que a queimada em floresta melhoraria o ecossistema ou a própria floresta. Não consigo ver, com toda a vênia e respeito, em que situação uma queimada possa ser útil. Quem não sabe que uma queimada em uma floresta é extremamente prejudicial porque, inclusive, acaba destruindo árvores, por vezes, de dezenas de anos se não centenárias?

Evidente que, se alguém for tocar fogo no campo, na lavoura ou na floresta, o fará quando o ambiente estiver seco, portanto, favorável a queimadas. E dizer que a queimada é controlada? Todo mundo sabe que se tocar fogo em um campo seco não tem o que o segure, a não ser que, na queimada, caia uma chuvarada e muito forte.

Para quem conhece a situação, não há como admitir que uma queimada possa ser útil para alguma coisa. Eu até admitiria em caso de pestes, mas hoje em dia é cada vez mais difícil usar esse método, porque o próprio carrapato, que, realmente, se cria no meio de capinzais, no campo bruto, hoje é controlado mediante inseticidas, método que é muito mais útil e muito menos prejudicial que a queimada. Essa pragas são todas controláveis. Hoje existem técnicas de controle, sem que haja necessidade de tocar fogo em um capoeiral,  em um capão de árvores e, muito menos, em uma floresta.

E há uma outra constatação. Quantos mananciais de água, quantos riachos desapareceram do Estado por causa da derrubada desses caponetes que acompanham o pequeno riacho ou a fonte perene de água? A fonte de água perene desapareceu por causa desse abuso que houve - e continua de certa forma havendo – ao  se transformar o campo em lavoura. Refiro-me especialmente às áreas em que os campos foram efetivamente transformados em lavouras, como na região do Alto Uruguai. Caponetes no meio do campo onde havia fontes de água, pura e simplesmente desapareceram, em conseqüência dessa transformação da visão realística que deve haver a respeito da conservação do meio-ambiente, que é útil a todos, enquanto que as queimadas podem ser “úteis” para alguns poucos que não usam uma técnica adequada para limpar os próprios campos ou as suas lavouras. A queimada, efetivamente, é extremamente fácil: toca-se fogo, o capim ou a resteva queima,  e, depois, o capim volta a brotar aparentemente forte, só que, como não se medem as conseqüências, a queimada acaba esterilizando o solo, uma vez que retira dele seus nutrientes naturais.

Com essas ponderações, estou em acompanhar o voto do eminente Relator, para julgar procedente a ação de inconstitucionalidade.

 

DES. CLARINDO FAVRETTO - Sr. Presidente, com toda a vênia dos eminentes Relator e Revisor, penso em divergir do posicionamento adotado, por isso que incumbe ao Estado do Rio Grande do Sul a competência para elaborar o seu Código Florestal e também para reformá-lo. Assim a Lei nº 11.498/00 veio para simplesmente alterar dispositivo do Código Florestal do Estado, a fim de adaptá-lo à realidade peculiar do Rio Grande do Sul.

O Código é genérico e esta lei veio regulamentá-lo. Aqui podemos ver que a permissão de utilização do fogo não é perniciosa, “data venia”, mas, sim, e pelo contrário, salutar ao meio-ambiente.

Ouvimos, com toda a atenção, da tribuna, as judiciosas ponderações da Assembléia Legislativa, que representa a vontade geral do povo rio-grandense pelo sistema de representação determinado pela Constituição do Estado. Lá, por certo, os próprios Deputados que representam cada Região se detiveram no exame da questão e votaram para estabelecer a lei.

Se examinarmos esta Lei nº 11.498, podemos verificar que a autorização da utilização do fogo como remédio em determinadas situações, em determinadas áreas do Rio Grande do Sul é salutar e não devastadora. Basta atentarmos para o § 1º do art. 1º, que estabelece: “Poderá ser utilizado o fogo como meio de controle e eliminação de pragas e doenças”. E o fogo elimina. Está no Código Florestal: “...como forma de tratamento fitossanitário bem como em áreas já utilizadas anteriormente para  lavoura se peculiaridades locais ou regionais assim justificarem e mediante”  - isso é muito importante – “permissão do Órgão do Poder Público Estadual ou Municipal”.

Vejamos o freio rigoroso que coloca a lei pelo seu §2º: “A permissão referida no parágrafo anterior deverá basear-se em laudo emitido por técnico competente credenciado pelo Poder Público Estadual ou Municipal, que circunscreverá a área a ser atingida e estabelecerá as normas e precauções a serem seguidas”. Vale dizer, só fica autorizada, mediante laudo emitido por técnico competente credenciado pelo Poder Público, a queima controlada de campos nativos como técnica de manejo agropastoril, obedecida também a legislação federal.

Sabemos que, para as derrubadas, todo aquele que pretender, especialmente o pequeno agricultor,  plantar uma pequena roça de feijão, para obter licença de plantar uma coivara tem que percorrer um calvário imenso. Muitas vezes, chega a passar a época do plantio, e ainda as autoridades competentes não liberam o laudo para tal fim.

Aqui no Rio Grande do Sul, o controle é ainda mais rigoroso do que o próprio IBAMA faz na sua generalidade.  O Rio Grande do Sul, como, de resto, o País, tem em alguns Municípios áreas muito acidentadas e pedregosas, onde não se consegue entrar com um trator para passar a roçadeira, mas são campos produtivos, inclusive atáveis à canga de boi, e o pequeno plantador não tem outra alternativa senão exercitar esse tipo de plantio, fazendo alguma queimada. Também para a limpeza do campo sujo, aquele que não permite o ingresso de roçadeira, o próprio pecuarista e o agricultor não têm outra alternativa de limpeza senão pelo fogo, que é feita em época certa.

Existem também carrascais, especialmente em regiões da fronteira, em que o chamado campo grosso produz um tipo de capim, que, enquanto tenro, é palatável, e o gado dele se alimenta, mas, especialmente nos anos de bastante chuva, o gado não consegue dar conta desse capim, que acaba secando e atrapalhando a rebrotação para o ano seguinte. Daí o sistema de queima é salutar.

Não há também pensar como ingressar com um trator, porque os campos não permitem em face da sua depressão geográfica, ou de baixadas ou relevos e pedras existentes.

O Município de Piratini, alguns pontos de Caçapava, praticamente toda a Região da Serra, São Francisco de Paula, Bom Jesus, Vacaria, Veranópolis, Nova Prata, enfim, todos esses Municípios que têm regiões planas, agricultáveis, na sua grande maioria não permitem o ingresso de máquinas de roçadeiras para a limpeza.

Evidente que não se trata aqui de queima de resteva, porque seria um crime contra a própria natureza. Sabe-se que a resteva picada com roçadeira forma o adubo orgânico que empresta fertilidade ao solo, mas, onde não é possível a utilização de máquinas pelos pequenos e médios agricultores e pelos pecuaristas, o fogo, no sistema preconizado pela Lei ora impugnada, é salutar.

A Assembléia Legislativa, após concluído o estudo, entendeu de promulgar esta Lei, já que a entendeu salutar, e colocou todos os freios necessários para coibir o abuso.

Não se diga, “data venia”, que o fogo, quando ateado, é incontrolável. Nós sabemos, e todos sabem, que em qualquer roça de derrubada, inclusive de mato ou campo, feitos os necessários aceiros, o fogo chega até eles e não passa além. O aceiro é exatamente um caminho limpo em roda da parte que deve ser queimada, em que são, inclusive, retirados todos os resíduos inflamáveis. Na terra pura, na terra nua, o fogo não passa, ele chega até um tipo de estrada que cerca a parte que deve ser operada pelo incêndio. Isso, inclusive, nas grandes florestas.

Não pode, evidentemente, ser desordenadamente incendiada uma floresta, um campo ou uma roça de carrascal. Mas feito o controle e depois de ter sido emitido o laudo pela autoridade competente, como determina a lei, parece-me que não há proibir a queimada, mesmo porque, se volvermos às decisões desta Corte que negaram autorização e declararam a inconstitucionalidade das leis, temos de levar em devida conta que estas leis que motivaram as ações diretas de inconstitucionalidade eram municipais.

Seria um tanto perigoso para algum Município com costumes antigos e aquele vezo que faz com que a população exija dos seus dirigentes leis permitindo abusivamente o incêndio, mas me parece que esta Corte julgou bem nessas ações, não permitindo que os Municípios autorizem, mas, sim, o Estado.

Emitir uma lei como esta, de controle quase que absoluto em nível estadual, parece-me que se não torna perigosa à devastação do meio- ambiente. A própria Constituição Federal estabelece no seu art. 24 que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas de caráter geral, daí por que a delegação é ao Estado. Os Estados, conforme suas peculiares necessidades, desenvolvem seus estudos e limitam a permissão de se utilizar o fogo, na espécie ora tratada, como remédio útil para a economia agropastoril, e a Constituição Estadual não trata especificamente de coibir qualquer tipo de incêndio, mas, sim, de coibir o incêndio devastador, o incêndio antieconômico e nocivo ao meio-ambiente.

Com essas considerações, e rogando vênia aos eminentes Relator e Revisor, julgo improcedente esta ação direta de inconstitucionalidade para aceitar a Lei nº 11.498 como absolutamente constitucional.

É como voto.

 

DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA – Sob o art. 251, § 1º, inc. XIII, da Constituição Estadual, voto pela inconstitucionalidade, especialmente considerando que se não há agressão ao solo, há agressão à fauna. Hoje, a tecnologia moderna dispensa o uso do fogo.

 

DES. PAULO A. MONTE LOPES – Peço vênia para acompanhar o eminente Relator.

 

DES. ARISTIDES P. DE ALBUQUERQUE NETO – Com o eminente Relator.

 

DES. RANOLFO VIEIRA – Com o Relator.

 

DES. TAEL JOÃO SELISTRE (PRESIDENTE) – Também estou acompanhando o eminente Relator.

Não tenho dúvidas de que a competência legislativa para a elaboração do Código Florestal Estadual e de suas modificações é do Estado, a quem cabe, também, como salientado pelo eminente Des. Favretto, estabelecer normas de caráter geral a respeito da matéria, quando menos não seja por delegação da União.

Mas a partir do momento em que uma lei como essa não estabelece quaisquer restrições à queima de áreas diárias de preservação e à queima de campos nativos, como salientado no voto do eminente Relator, não vejo como não reconhecer a inconstitucionalidade por afronta não só ao art. 13, inc. V, que é dirigido aos Municípios, mas que se aplica também ao caso, mas fundamentalmente pelo art. 251, § 1º, e os quatro incisos mencionados no voto do eminente Relator.

Estou o acompanhando integralmente, julgando procedente a ação.

 

DES. DÉLIO SPALDING DE A. WEDY – Sr. Presidente, não que sejamos todos campesinos, mas todos nós passamos por diversas comarcas do Rio Grande do Sul e constatamos a diversidade de cultura de cada propriedade. Uma propriedade de Mostardas é completamente diferente de uma propriedade de Uruguaiana, de uma de Torres ou de uma de Garibaldi.

Esta Lei nº 11.498, de 04-07-00, que altera o Código Florestal, fala em laudo emitido por técnico competente credenciado pelo Poder Público Estadual ou Municipal. Então, é algo novo, algo controlado.

Voto pela improcedência.

 

DES. VASCO DELLA GIUSTINA – Sr. Presidente, a matéria parece de difícil solução, porque temos uma lei em nível estadual e uma outra em nível federal que se põem em acordo, pelo que senti. Como, então, a estadual será inconstitucional e a federal não o será?

Seja como for, a matéria é importante, e gostaria de pedir vista para melhor estudá-la.

 

DES. ANTONIO J. DALL'AGNOL JUNIOR – Com a vênia dos que entendem ao contrário, eminente Presidente, estou acompanhando o eminente Relator.

 

DESA. MARIA BERENICE DIAS – Também acompanho o Relator.

 

DES. DANÚBIO EDON FRANCO – Também, Sr. Presidente, com o eminente Relator.

 

DES. ANTONIO GUILHERME TANGER JARDIM – Aguardo a vista.

 

DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS – Com o eminente Relator.

 

DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO – Com o eminente Relator.

 

DES. MARCO ANTÔNIO BARBOSA LEAL – Também, Sr. Presidente, com o eminente Relator.

 

DES. LEO LIMA – Também com o eminente Relator.

 

DES. SERGIO PILLA DA SILVA – Sr. Presidente, ressalvada a possibilidade sempre existente de reformulação de voto em face de pedido de vista, peço vênia para, desde logo, adiantar a posição atual que tenho sobre o tema e dizer que estou acompanhando o eminente Des. Favretto.

Faço-o por suas lúcidas razões, como também porque é da competência concorrente do Estado estabelecer normas da espécie segundo as peculiaridades regionais. Veja-se que nada de novo existe na face da Terra. O dispositivo agora inquinado de inconstitucional dá explicitude ao art. 28 do Código Florestal Estadual.

Estão, se este dispositivo novo é inconstitucional, também será o já preexistente, o art. 28, que, com esta inconstitucionalidade, se repristina. Ali se permite a queimada, o atear fogo com  finalidade fitossanitária, e não se estabelece critério claro para o controle do fogo, nem se disciplina como ele será utilizado, ao passo que o novo dispositivo vem a estabelecer a exigência de laudo de técnico do órgão competente. Há competência concorrente entre a União, o Estado e os Municípios, cada qual na sua esfera.

O que não pode é haver colisão, como havia nas leis municipais que este Pleno declarou inconstitucionais. Havia dualismo, pois essas leis municipais conflitavam com a legislação estadual e com as normas gerais estabelecidas pela União. Aqui se explicita e se estabelece critério muito claro para a veiculação prévia de um laudo competente. Há de presumir-se que de órgão florestal ou ambiental do Estado ou do Município.

De tal sorte que o meu voto é no sentido de julgar improcedente a ação, até porque a inconstitucionalidade não é manifesta, “data venia”.

 

DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER  Com o eminente Relator.

 

DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA – Pela improcedência da ação, nos termos dos votos dos eminentes Des. Favretto e Sergio Pilla da Silva.

 

DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO – Embora reconhecendo as ponderações do Des. Favretto e a realidade existente, parece-me que a lei é muito ampla, uma vez que o art. 28 do Código Florestal já permitia, desde que houvesse uma autorização pelo órgão competente. Penso que aqui a lei foi ampliada.

Então, pedindo vênia ao eminente Des. Favretto e aos que o acompanharam, estou acompanhando o eminente Relator.

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70001436658, de Porto Alegre – “Após os votos dos Desembargadores Relator, Revisor, Stangler, Monte Lopes, Aristides, Ranolfo, Tael, Dall’Agnol, Maria Berenice, Danúbio, Luiz Ari, Branco Cardoso, Marco Antônio, Leo Lima, Cacildo e Tedesco, julgando procedente a ação, e dos Desembargadores Favret-to, Mangabeira, Wedy e Sergio julgando-a improcedente, pediu vista o DesEMBARGADOR Vasco. Aguarda o DesEMBARGADOR Jardim. Julgamento suspenso. O DOUTOR HERMÍNIO DUTRA PROFERIU SUSTENTAÇÃO ORAL PELO REQUERIDO.”

 

CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO – PEDIDO DE VISTA

 

DES. VASCO DELLA GIUSTINA – A discussão gira em torno da modificação operada pela Lei Estadual nº 11.498, de 4 de julho de 2000, da colenda Assembléia Legislativa do Estado, que alterou parcialmente o art. 28 da Lei nº 9.519/92, autorizando o uso de fogo, também “em áreas já utilizadas anteriormente para lavoura, se peculiaridades locais ou regionais assim justificarem e mediante permissão de órgão do poder público estadual ou municipal, devendo dita permissão ser baseada em laudo emitido por técnico competente, credenciado pelo poder público, que circunscreverá a área e estabelecerá as normas de precaução.”

No seu artigo 2º a lei autoriza, mediante laudo, a queima controlada de campos nativos, como técnica de manejo agropastoril.

A justificativa estaria em que peculiaridades locais o exigem, dada a dificuldade ou impossibilidade de aração, rochas, declives acentuados ou morros, especialmente na região da serra.

Segundo o autor da ADIN, haveria confronto com a Constituição Estadual que, no seu art. 251, § 1º, XIII, prevê o “combate às queimadas, responsabilizando o usuário de terra por suas conseqüências.”

Distingo os dois artigos na lei ora objurgada.

O art. 1º, que condiciona a inúmeras exigências as queimadas, se me afigura constitucional. Já o art. 2º, que generaliza, exigindo apenas um laudo, se me afigura inconstitucional, isto porque a mens legislatoris da Carta Estadual foi o de combater as queimadas, in genere.

Assim, o art. 1º abre exceção para as queimadas, além do controle fitossanitário, quando as peculiaridades locais ou regionais o justificarem, havendo necessidade de autorização do poder público, a par de laudo técnico por pessoa credenciada pelo poder público.

Já o segundo artigo me parece que generaliza a queima, como técnica de manejo, ainda que se refira à “queima controlada”, porém, fazendo apenas exigência a um laudo de técnico competente indicado pelo Município e obedecida a legislação federal.

Esta disposição, sim, se posiciona inconstitucional, dada, como referida, sua generalidade.

A legislação federal, por sua vez, prevê algo assemelhado ao conteúdo do art. 1º.

“Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público circunscrevendo as áreas e estabelecendo as normas de precaução.” (Código Florestal, Lei 4.771/65, art. 27, parágrafo único)

Tal artigo veio a ser regulamentado pelo Dec. 97.635, de 10 de abril de 1989,  conferindo ao Ibama competência para “estabelecer as condições de uso do fogo, sob a forma de queimada controlada.”

Assim que não diviso a apontada inconstitucionalidade no art. 1º da lei ora contestada.

Disse-o muito bem o eminente Des. Sergio, com quem parcialmente concordo:

“a inconstitucionalidade não é manifesta.”

Ora, é princípio assente na doutrina que “só quando a colisão se declara manifestamente, isto é, de modo claro, aberto, inequívoco, que os tribunais a reconhecem e proclamam.”

“A outra regra aplicável no caso é a de que se presumem constitucionais as atos do Congresso. Tendo esta, como corolário, a de que, na dúvida, decidir-se-á pela constitucionalidade. Uma vez que a constitucionalidade não se presume, é indispensável que sua demonstração seja feita, de modo tal que a inconstitucionalidade entre a lei e o estatuto político fique acima de toda a dúvida razoável. Se ao espírito do juiz não se apresentar clara e forte convicção do conflito entre os dois textos, a ineficácia da lei não há de ser declarada.” (apud  “O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”, Lúcio Bittencourt, p. 113-116, Forense, 1949).

Destarte, com estes acréscimos acompanho, em parte, os doutos votos dos eminentes Desembargadores Favretto e Sergio Pilla, julgando parcialmente procedente a representação para reconhecer a inconstitucionalidade tão-somente do art. 2º da Lei 11.498, de 4 de julho de 2000, do Estado do Rio Grande do Sul.

É o voto.

DES. ANTONIO GUILHERME TANGER JARDIM – Sr. Presidente,  rogando vênia aos que votaram em sentido contrário, acompanho os eminentes Des. Favretto e Sergio Pilla.

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70001436658, de Porto Alegre – “Prosseguindo no julgamento, votou o DesEMBARGADOR Vasco pela procedência em parte da ação, e o DesEMBARGADOR Jardim Pela sua improcedência. O resultado, pois, é o seguinte: Julgaram procedente, por maioria, a ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 11.498, de 04/07/00, vencidos os DesEMBARGADORES Favretto, Mangabeira, Wedy, Sergio e Jardim, que a julgavam improcedente e, em parte, o DesEMBARGADOR Vasco, que a julgava parcialmente procedente.”

 

 

FSM