O UMBU SOLITÁRIO

 por CELSO MARQUES
Professor da UFRGS, ex-presidente e
conselheiro da AGAPAN e pecuarista.

 (...) “um deserto de homens e idéias...”
          J.F. de Assis Brasil

 

  Um morto não fala. Mas quando ele é ilustre, merece o direito de resposta. José Lutzenberger foi um gênio e não o boçal que Décio Freitas caricaturizou no artigo Litígio sem fim (ZERO HORA, 13/07/03). Na audiência pública sobre a reforma agrária, promovida pela Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo da Assembléia Legislativa do RS,  a 13 de dezembro de 2001, este umbu solitário nos legou o seu testamento político: a opção de poder escolher entre o litígio sem fim e o fim do litígio no campo: a REFORMA AGRÁRIA ECOLÓGICA. Na véspera ele telefonou para mim e insistiu para que eu fosse ao evento. “Tenho coisas importantes a dizer”, me disse ele. Foi a última vez que o vi com vida.

  O recinto estava completamente lotado com as principais lideranças ruralistas gaúchas. A seqüência dos depoimentos mostrou o quadro espantoso de uma reforma agrária absolutamente inepta, corrupta e irresponsável, um fracasso total que a unanimidade burra e deste país, à esquerda e à direita, não tem tido a coragem cívica de questionar e nem a inteligência para propor alternativas. As lideranças ruralistas gaúchas presentes, equivocando-se ao ver em Lutz um aliado para o seu imediatismo oportunista, aplaudiram de pé quando o ecologista propôs o que a lógica e a cidadania impunham: a extinção do INCRA e uma devassa nas contas bilionárias do órgão. 

  Mas Lutz disse muito mais. Lançou a campanha pela preservação do Pampa gaúcho através da sustentabilidade ecológica da pecuária; disse que não gostaria que a bela cultura camponesa gaúcha desaparecesse da realidade para existir apenas no imaginário dos CTGs; advertiu os ruralistas a não entrarem como perdedores no jogo da reforma agrária aceitando índices de lotação como critérios de produtividade; que as transnacionais não tem pressa: após o fraticídio e o caos que o primitivismo e incompetência da nossa cultura política estão cevando, a posse da terra será delas; etc. Está tudo documentado no volume com as notas taquigráficas que a Comissão de Agricultura, organizadora do evento, coloca à disposição dos interessados.

  E foi tudo fogo de palha: a estratégia para aprofundar a discussão e gerar um pouco de racionalidade, antes que o sangue comece a correr no campo, morreu ali mesmo, ao final da sessão. As lideranças ruralistas e a imprensa não entenderam que Lutz propôs um programa político para a atual geração e não para a próxima safra; que elas escolheram ser transgênica, ilegal, uma contravenção coletiva feita com sementes da Monsanto, contrabandeadas da Argentina.

(julho 2003)