O Fogo

por José Antonio Lutzenberger, 1972

O fogo está hoje destruindo e desertificando o país de ponta a ponta e já atinge os rincões mais remotos, causando estragos inimagináveis, cada vez mais irreversíveis e de conseqüências cada vez mais calamitosas. Basta lembrar as inundações do início deste ano e que são apenas presságio do que está por vir.

O fogo deve ser combatido com todos os meios disponíveis, desde a educação e persuasão até castigos draconianos, quando necessário. Para o combate deste flagelo devem ser mobilizadas todas as forças estruturadas do Estado e do País: Forças Armadas, Brigada Militar, Polícia Civil, entidades particulares, escolas, escoteiros, Projeto Rondon, Ascar e outros. Nesta campanha terão que ser engajados também os talentos e as capacidades do aparelho publicitário e dos meios comunicação de massa.

Se não conseguirmos, em curto prazo de tempo, vencer a piromania nacional, estará nosso país condenado a transformar-se, durante a vida dos jovens e das crianças de hoje, em um deserto e serão indescritíveis as calamidades que sofreremos. A provável e talvez já desencadeada inversão climática tornará então impossível a recuperação, mesmo a longo prazo.

Nesta época, em que milhões e milhões de pessoas estão ameaçadas de inanição pela fome, alardeamos a possibilidade, real, de o Brasil transformar-se em celeiro do mundo, mas, de fato, nosso país se encontra em caminho suicida – estamos destruindo aceleradamente nossa capacidade de produção agrícola. Mesmo onde aumentamos a produção pelo desbravamento de novas áreas agrícolas ou com tecnologias mais “modernas”, este aumento quase sempre se consegue às custas da produtividade futura.

 Até agora, autoridades e órgãos especializados oficiais e particulares, pouca ou nenhuma sensibilidade têm demonstrado diante desse desastre e não conhecemos medidas destinadas a solucionar o problema. Nos formulários do IBDF, entre os itens financiáveis pelo incentivo fiscal para “reflorestamento” figura, entre outros absurdos, o “encoivaramento” e a “queima” (1970).

Se o problema das queimadas não encontrar solução rápida, se continuar desenfreada a piromania generalizada, de nada valerão outras preocupações e medidas de controle ambiental. Algo deve ser feito já. Este é o problema ambiental mais urgente, pois afeta e ameaça a totalidade das paisagens no Estado, no País, na América do Sul.