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Observações à proposta de modificação do Plano Diretor de Porto Alegre sobre os possíveis impactos ambientais decorrentes de sua implementação

Profª. Lucia Mascaró, Dra. Arquiteta
Prof. Juan Luis Mascaró, Dr. Eng. Civil

INTRODUÇÃO

Permito-me iniciar estas observações lembrado que a qualificação do ambiente urbano é um passo importante para que seja alcançado o desenvolvimento sustentável. No atual quadro mundial de mudança climática global de graves conseqüências para o ambiente, a cidade como o resultado da ação antrópica sobre o meio, começa ser um dos mais importantes objetos a ser modelado justamente para evitar que se agravem, tanto a nível local como a nível global. Os efeitos negativos das formas urbanas inadequadas a realidade local, assim como de suas formas de uso.

Reconhecendo que a problemática ambiental é inseparável da problemática social e da econômica, concebemos o meio ambiente como um sistema integral que engloba elementos fisico-bióticos, sociais e econômicos. Inexistindo práticas sociais dissociadas de práticas ambientais, o aumento dos problemas ambientais implica no estabelecimento de novas reflexões acerca da pratica democrática, visto que num pais marcado por contradições agudas, diferentes níveis de degradação ambiental refletem, a um só tempo, tanto estratégias conscientes de utilização dos recursos naturais como, também ações inconscientes relacionadas à luta pela sobrevivência ou à realização de interesses setoriais.

No bojo do repensar da prática democrática emerge tanto a necessidade de redefinição da concepção do progresso dominante - uma vez que à escassez de recursos financeiros para a recuperação do meio ambiente degradado se contrapõe a escassez de recursos naturais passíveis de transformação em recursos financeiros -, quanto uma reorientação da ética política calcada numa conscientização ecológica voltada para o repensar da cultura.

 

Porto Alegre tem sido reconhecida como a capital brasileira de melhor qualidade de vida e seu governo municipal tem declarado (quase que) semanalmente sua intenção de não só manter essa característica mas de melhora-la. Algumas ações importantes já foram realizadas, parecendo confirmar as intenções declaradas. Talvez a mais importante esteja a ser tomada a aprovação de uma nova lei de Plano Diretor, reconhecidamente a mais importante lei municipal para a evolução da cidade.

Por tudo isso e por ter contado com a participação de ambientalistas locais e estrangeiros, resulta não só surpreendente mais inexplicável que a versão apresentada para consideração da Comissão Especial do Plano Diretor da Câmara de Vereadores de Porto Alegre seja aquela considerada como a menos favorável ao meio ambiente subtropical úmido ao dificultar a ventilação urbana e dos edifícios, favorecer a concentração de poluentes e reduzir as condições de iluminação natural e de insolação (de inverno) dos recintos urbanos, com o conseqüente aumento do consumo de energia, recurso restrito a médio e longo prazo.

1. PROBLEMAS CRIADOS PELO ADENSAMENTO PROPOSTO E A MORFOLOGIA RESULTANTE

RUAS

Como já tínhamos demonstrado em pesquisas realizadas sobre o tema:

O projeto de P.D. propicia o aumento de altura construídas em avenidas que, pelas suas características morfológicas e de intensidade de transito, seriam situações semelhantes às descritas para a Av. Borges de Medeiros, por exemplo.

É importante apontar aqui que, enquanto o Plano Diretor de Belo Horizonte e Florianópolis baseiam os aspectos ambientais em estudos básicos (semelhantes aos realizados aqui), que impõem critérios tais como angulo de visão de céu mínimo para manter (ou melhorar) a ambiência urbana atual, a proposta para Porto Alegre ignora os resultados obtidos nos estudos ambientais realizados permitindo áreas de densificação em bairros já comprometidos do ponto de vista ambiental, por exemplo.

AFASTAMENTOS LATERAIS

Como no caso das ruas, a redução das atuais dimensões dos afastamentos laterais somente agrava a situação da ventilação urbana e a concentração de poluentes, principalmente.

PÁTIO DE AR E DE LUZ

Uma das formas de ocupação do lote propostas no novo Plano Diretor é a de voltar a ocupar o lote até a divisa, retomando o uso de um dos mais tradicionais dispositivos:

o pátio de ar e luz, o qual - paradoxalmente - constitui o espaço exterior mais escuro, úmido mal ventilado e barulhento possível de imaginar. No verão a sua eficiência é limitada, como no espaço de ventilação dos locais que a eles se abrem. No inverno eles funcionariam bem, quando as janelas estão abertas apenas para uma renovação rápida do ar e a edificação perde sua condição de massa permeável. Nessa situarão verificara-se o funcionamento teoricamente previsto e o ar aquecido abandonaria os espaços interiores e ascenderia pelos pátios para dispersar-se a atmosfera por cima dos telhados.

Entretanto, com todas as janelas fechadas, nesses edifícios dos quais o sol tem sido excluído, produz-se no inverno, durante o dia, uma inversão térmica que impede a total renovação do ar: ele chega a ser úmido do e fétido. O comum é não abrir as janelas para esse espaço. No inverno, o recinto urbano assim criado, feito de pequenos pátios (ou buracos) que não recebem insolação, funciona como degeneração do espaço arquitetônico, de uma arquitetura sem janelas, sem sistemas de condicionamento que amenizem seu efeito.

Se aprovado (e aplicado na pratica) levará a uma necessária e urgente revisão do atual Código de Obras de Porto Alegre, para rever seu dimensionamento, agora sobre bases dimensionais mais precisas.

O espaço urbano está condicionado por fatores climáticos locais. Essa é a grande diferença do espaço arquitetônico, para o qual esses fatores condicionam hoje a potência de suas instalações de climatização artificial. Na grande maioria dos casos, devido a ausência de dados científicos confiáveis ou ignorância, o espaço urbano nas suas manifestações mais apreciadas - costuma ser o resultado da acumulação do conhecimento empírico compartilhado pela população do lugar através do tempo.

Entretanto, suas manifestações mais degradadas geralmente são o resultado da doação de dispositivos de controle de forma urbana não experimentados, às vezes importados, outras vezes inadequados, ou da repetição desta ultima tendência o que tem colocado em questão a possibilidade da existência de um recinto urbano como um espaço para o qual é grato os edifícios se abrirem, com características ecotérmicas minimamente aceitáveis.

Para obtê-lo, propomos modificar Os fenômenos climáticos localmente, ao nível do solo, onde a vida acontece através da escolha do albedo das superfícies do recinto urbano mais adequado do ponto de vista termo-luminoso, da redução da capacidade de acumulação térmica de seus edifícios e do aumento de sua resistência térmica (situação oposta a da cidade clássica e seca, que tanto admiramos). O esfriamento procurado ao abrir as janelas será a ventilação obtida e inversamente proporcional à inércia térmica da massa edificada.

No recinto urbano úmido, não é a inércia térmica o fator condicionante decisivo de seu desempenho em condições de verão, mas a ventilação. É a ventilação a que pode diminuir a temperatura interior e a umidade relativa do ar, até o valor do ar que a ele chega.

Não é extremista, assim, que numa cidade subtropical super-úmida, busquem-se o incremento da capacidade evaporativa da pele do usuário e da dispersão convectiva através do ar em movimento, com a conseqüente diminuição do esforço (stress) térmico por calor mantendo as janelas abertas durante o dia.

Quanto mais permeável for a cidade e a edificação e menor for a inércia térmica dos edifícios, quando sopra a brisa, serão mais parecidas a temperatura interior a temperatura do espaço imediato exterior e acima da edificação.

A estrutura urbana recomendada é aquela que apresenta recintos urbanos diferenciados ecotermicamente. acessíveis ao sol uns, inacessível outros, acessíveis ao vento todos, contando com a valiosa contribuição de janelas que abrem (em oposição aos herméticos panos de vidro), que transformam em estruturas porosas Os edifícios dos quais fazem parte, permeáveis a passagem de ar, situação necessária e própria dos climas quentes e úmidos. Acreditamos não ser necessário (nem conveniente) propor espaços semelhantes aos da cidade modernista nem aos da cidade clássica e seca, mas sim os recintos urbanos que a arquitetura urbana subtropical requer.

Todos Os cidadãos porto-alegrenses respiram um ar compartilhado e, ainda com as janelas abertas, respirariam uma e outra vez o mesmo ar, geralmente poluído, senão existisse a microbrisa que se gera através da massa edificada da cidade, quando ela e esponjosa, permeável.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário criar condições favoráveis á manutenção (ou recuperação) do ambiente construído, que traduzam possibilidades de introduzir capital novo, por exemplo, capaz de superar o obstáculo que o capital velho opõe a preservação do meio ambiente. O estimulo a liberação de capacidade criativa na cidade atrela-se, também, a divulgação da sua imagem como uma ecologia propícia à prática da cidadania e normas democráticas.

Nossa tentativa de esboçar um Plano Diretor realmente ambiental baseia-se na promoção tanto das vantagens tecnológicas, como das características históricas e culturais, as paisagens naturais e arquitetônicas, ou seja, elementos que conferem qualidade ("positividade" para outros especialistas) à cidade.

Reafirmamos a intencionalidade de assinalar a importância do vetor espacial/territorial na questão ambiental. Vetor esse que leva a identificar estruturas urbanas adequadas a realidade local, sobre as quais se deve atuar a fim de estimular não somente a preservação ambiental mas também inovações nas formas de governar, nos valores administrativos e na conscientização da população.

3. SOLICITAÇÃO

Solicitamos prazo de 60 dias para fazer uma avaliação aprofundada do impacto ambiental da morfologia urbana proposta.

Porto Alegre, 13 de novembro de 1998.

Dra. Arq. Lucia Mascar6

Professora Titular (aposentada), Departamento de Arquitetura FAU UFGRS e do PROPAR UFRGS, Área de Economia e Habitabilidade Especialista em aspectos ambientais de edificação e da urbanização.

Dr. Eng. Juan Luis Mascar6

Professor titular do Departamento de Urbanismo da FAU UFRGS e do PROPAR UFRGS, Área de Economia e Habitabilidade
Especialista em aspectos econômicos da edificação e da urbanização