TRANSGÊNICOS: MAIS UMA VEZ SEREMOS COBAIAS ?
Por: Francisco Roberto Caporal
[i]
A polêmica sobre o cultivo e o consumo de produtos transgênicos exige que se faça um apelo ao bom senso das pessoas mais esclarecidas e mais conscientes e àquelas que podem influir, imediatamente, nas decisões a este respeito. Este breve artigo pretende aportar mais subsídios a um debate sobre OGMs que não se resume a uma questão meramente político-ideológica como querem alguns, pois envolve, também, aspectos técnico-econômicos, bem como de saúde pública e meio ambiente.
Se examinarmos com cuidado, vamos ver
que não há razão no mundo que justifique que não se adote o princípio da
precaução para o caso dos transgênicos, adiando qualquer liberação no
ambiente ou para o consumo humano e animal, até que possamos ter segurança
absoluta de que estes organismos não causarão mais danos à saúde da população
e ao meio ambiente, devido a possíveis externalidades incontroláveis, e
atualmente desconhecidas, como ocorreu com os venenos agrícolas. Aliás, a
história recente da nossa agricultura nos remete à necessidade de uma reflexão
cuidadosa quanto aos impactos negativos das tecnologias à saúde da atual e das
futuras gerações, assim como à urgência de se evitar mais danos ao já
degradado meio ambiente.
Antes de tudo, é preciso ficar claro
que não será uma tecnologia a mais que resolverá o problema da fome no mundo.
Muito menos a soja transgênica. A própria FAO (Organização das Nações Unidas
responsável por cuidar da Agricultura e da Alimentação) afirma que há comida
no mundo suficiente para todos, mas carecemos de melhor distribuição, menos
desperdício e menos uso inadequado, assim como é preciso resolver o sério
problema de acesso aos alimentos. Portanto, é uma falácia o argumento de que
com os organismos geneticamente modificados estaremos resolvendo o problema da
fome. Pelo contrário, no México os milhos transgênicos têm causado problema
para os hábitos alimentares da população. Na Argentina, um dos maiores
produtores de soja transgênica, nunca tanta gente passou fome, como agora.
Mas, o que importa aqui, mais que
entrar na polêmica sobre os OGMs, é fazer um alerta para os possíveis e
desconhecidos riscos e sua potencial irreversibilidade e, por isto mesmo, ao
invés de usar nossos próprios argumentos, preferimos destacar duas
personalidades dos Estados Unidos, que em dois momentos históricos diferentes
nos ofereceram elementos que podem ser úteis para a reflexão atual.
Comecemos pelos idos de 1962, quando a
professora e pesquisadora Rachel Carson, estudando os venenos agrícolas
organoclorados (conhecidos como DDT, Pó de Gafanhoto, BHC, Aldrin, etc...),
identificou um conjunto de problemas e fez o seguinte alerta: “Estamos
expondo populações inteiras a agentes químicos extremamente venenosos. Agentes
químicos que, em muitos casos, têm efeitos acumulativos. Atualmente, este tipo
de exposição começa a acontecer tanto antes como depois do nascimento.
Ninguém sabe ainda quais serão os resultados deste experimento, já que não há
nenhum paralelo anterior que possa nos guiar.”
[ii] Nós não demos a atenção que mereciam aqueles estudos,
pois estávamos preocupados em aumentar a produtividade de nossas lavouras, a
qualquer o custo. Hoje, é sabido que, mesmo após mais de 20 anos da data em
que foi proibido o uso daqueles produtos, ainda há resíduos deles, ou de seus
isômeros, na cadeia trófica, no ambiente. E pior, há pesquisas indicando a
relação de diversos tipos de doenças, malformações de fetos, etc, com a
presença de resíduos de agrotóxicos no organismo humano. O livro O Futuro
Roubado
[iii] exemplifica bem esta problemática, do mesmo modo que
pesquisadores da Califórnia (USA), de Granada (Espanha), de Santa Maria (RS) e
de vários lugares, têm demonstrado que câncer de próstata e de mama, entre
outros, podem ser ocasionados pela contaminação por agrotóxicos, inclusive em
pessoas que não trabalham na agricultura. Mais de 20 anos se passaram e
estamos sofrendo pelas externalidades não controladas pela ciência e pela
tecnologia, que desconhecíamos nos anos 50, quando começamos a usar os
clorados, e menosprezamos seus riscos quando fomos alertados para eles, do
início dos anos 60 para cá.
Outro bom exemplo também vem dos
Estados Unidos. Naquele país, nos anos 80 se iniciou um grande debate sobre a
necessidade de uma agricultura sustentável, com baixo uso de insumos e menos
contaminante. Os consumidores começavam a se dar conta dos riscos apresentados
pelo simples ato de alimentar-se e passaram a cobrar dos técnicos e
pesquisadores. Na esteira do debate, e reconhecendo a gravidade dos problemas,
apareceria, em 1989, o relatório “Agricultura Alternativa”, publicado
pelo Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos
[iv] , através do qual especialistas indicavam problemas gerados
pela agricultura modernizada e admitiam a importância das agriculturas
tradicionais com respeito à preservação do meio ambiente, assim como
recomendavam a realização de pesquisas sobre práticas agrícolas
alternativas. O que merece destaque aqui, por servir como alerta para o
caso dos transgênicos, é que naquela época, o professor J. M. Davidson, em uma
palestra a seus colegas pesquisadores, afirmava: “Nós, dos Land-Grant
Colleges (equivale a nossas universidades), estamos enfrentando muitos
dilemas, um dos quais é a desconfiança de grupos e consumidores interessados
pela qualidade dos alimentos, pelos recursos naturais (...). E esta
desconfiança é bem justificada (...), pois, depois das denúncias de Rachel
Carson, nós afirmávamos que os pesticidas não causavam danos ao meio ambiente;
agora nós admitimos que causam. Quando se denunciava a presença de nitratos
nas águas subterrâneas, nós respondíamos que isto era impossível. Entretanto,
agora nós admitimos que é possível. Quando questionados a respeito da presença
de pesticidas nos alimentos, nós respondíamos que, se utilizados nas
quantidades recomendadas os produtos agrícolas estariam livres de pesticidas;
agora nos admitimos que não estão”.
[v] Embora tarde, o reconhecimento do professor Davidson se
constituiria em uma clara demonstração dos efeitos incontrolados das
tecnologias agrícolas “modernas” e, muitas vezes, não reconhecidos e/ou não
admitidos nos meios científicos. Ou pior, menosprezados e/ou ocultados em
favor de objetivos particulares.
Portanto, ao examinar o caso dos
transgênicos parece adequado aprendermos com a nossa história. Os dois
exemplos acima, extraídos do cerne da academia norteamericana, são suficientes
para se exigir, em nome de nossos filhos e netos, que se adote, imediatamente,
o princípio da precaução para o caso dos OGMs. Não é admissível que umas
poucas empresas poderosas e alguns agricultores que pensam apenas no lucro,
determinem o que milhões de consumidores devemos comer, sem termos os estudos
suficientes para mostrar que não há riscos à nossa saúde. Como cidadãos, temos
o direito à proteção que as leis determinam. De igual modo, mais estudos são
necessários para assegurar que não estamos deixando um legado de maior
deterioração ambiental para as futuras gerações.
O debate no campo técnico-científico
indica que, no limite, nós precisamos é de mais pesquisas. O que sabemos é que
sabemos muito pouco sobre prováveis impactos negativos dos OGMs. E, o que cada
dia sabemos mais é que a ciência e a tecnologia não têm controle absoluto
sobre suas próprias criações. Os exemplos acima bem o demonstram. Outra coisa,
é a questão fática. Alguém tentou estabelecer, aqui no RS, a política do fato
consumado. Por interesses particulares, milhares de agricultores gaúchos foram
induzidos a cultivar, ilegalmente, a soja transgênica, e eles deveriam ser
advertidos sobre seu erro. Ademais, precisam ser identificados e punidos os
responsáveis pela introdução clandestina da soja transgênica no Rio Grande do
Sul e no Brasil, os que multiplicaram sementes transgênicas ilegais e por
interesses pessoais as venderam, assim como os que incentivaram agricultores
ao plantio das sementes geneticamente modificadas que estão proibidas pela
justiça brasileira. Estamos diante de um ato coletivo de desobediência civil,
que pode trazer benefícios para uns poucos, mas que poderia resultar, mais
adiante, em prejuízos econômicos, ambientais e para a saúde pública de uma
população inteira, como ocorre com os agrotóxicos. Com a palavra as
autoridades.
[i]
As
opiniões emitidas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor:
Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural pelo CPGER/UFSM, Doutor pelo
Programa de “Agroecología, Campesinado e Historia” – ISEC/ETSIAM,
Universidad de Córdoba (Espanha), Assistente Técnico Regional da
EMATER/RS-ASCAR. Santa Maria (RS), 03/03/2003. E-mail:
caporal@emater.tche.br
[ii]
CARSON, R. Silent
Spring.
[iii]
COLBORN, T; DUMANOSKI, D;
MYERS, J. P. O
futuro roubado .
Porto Alegre: L&PM, 1996.
[iv] NCR - National Research Council “Agricultura Alternativa”. 1989.
[v]
Citado em: PESEK, J.
“Historical Perspective”.
Em: HATFIELD, J. L. & KARLEN,
D. L. (eds.). Sustainable agriculture systems.