Temos Código

 

Beto Moesch*
betomoeschcom@ig.com.br

 

                                    Parece até mentira, mas no dia 28 de junho foi aprovado, por unanimidade, com a supressão de apenas um artigo, o Código Estadual do Meio Ambiente.

                                    Previsto pela Constituição do Estado, essa verdadeira história durou oito anos, entre elaboração, tramitação e revisões.

                                    Quando coordenávamos a Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Estado pautamos como prioridade no campo normativo a confecção do Código. Era a grande oportunidade daqueles que viviam o meio ambiente de elaborarem o que realmente seria necessário para buscar resultados objetivos para a sua preservação. Assim, articulamos com o deputados e os projetos que previam a sua instituição foram retirados, pois eram muito limitados, e conseguimos convencê-los que esse texto legal tão importante deveria ser fruto da sociedade como um todo.

                                    Após mais de dois anos de trabalhos eminentemente técnicos, com várias organizações governamentais e não-governamentais, realizamos, em junho de 1994, um seminário visando finalizar os debates e o estudo do Código. Tudo isso chamou a atenção da mídia nacional. O renomado jurista Paulo Affonso Leme Machado disse, após participar desse seminário, que “jamais havia visto um texto ser discutido e elaborado por um número tão expressivo de pessoas”.

                                    Em seguida, o sistematizamos e o protocolamos, tornando-se projeto de lei. A partir daí iniciou-se uma nova batalha: aprová-lo. Criou-se um verdadeiro paradoxo. Na Casa do Povo não se conseguia aprovar algo que o povo elaborou. Destaca-se que todos os partidos com assento naquele Poder, com exceção de um ou outro Deputado, fizeram de tudo para não aprová-lo durante esse tempo.

                                    Cabe ressaltar que desse trabalho resultou a Lei 10.330/94, que institui o Sistema Estadual de Proteção Ambiental (Política, Conselho e Fundo Estadual do Meio Ambiente).

                                    Deve-se destacar também a dedicação de várias pessoas, seja da área pública ou privada. Todavia, quero aqui ressaltar, em memória, a inteligência, o conhecimento amplo e profundo, o idealismo e a dedicação do sempre amigo e parceiro ZENO SIMON.  

                                    O primeiro Código Ambiental do Brasil aprovado pelo Poder Legislativo é um marco histórico por duas razões básicas: a amplitude de segmentos e de pessoas que participaram da sua elaboração e o que contém seu texto. Ele abre um precedente, pois não se poderá mais permitir que um projeto de lei seja apresentado numa Câmara de Vereadores ou na Assembléia Legislativa sem a participação dos segmentos interessados. Esse texto também inova na medida em que pela primeira vez uma norma trata do meio ambiente como um todo, interligado. Antes tínhamos normas que disciplinavam os recursos naturais de forma estanque, isolada. Agora, prescreve-se de maneira que tudo se comunica. Quando se refere ao ar, por exemplo, cuida-se, ao mesmo tempo, da flora, da água e das comunidades, e assim sucessivamente.

                                    Ao regulamentar os dispositivos ambientais federais, o Código também preenche várias lacunas: auditorias ambientais para empresas de grande e complexo porte, qualidade do ar, poluição sonora e visual, patrimônio paleontológico e arqueológico, planejamento, saneamento básico, informações, educação ambiental, pesquisa científica dos recursos naturais, mineração, licenciamento, EIA/RIMA, audiências públicas, monitoramento, fauna, resíduos sólidos, solo e solo agrícola, parcelamento do solo, estímulos e incentivos, infrações e penalidades, unidades de conservação, gerenciamento costeiro (pela primeira vez uma norma protege dunas sem vegetação e prevê um desenvolvimento planejado e cuidadoso para o litoral), etc.                             

                                     Ele é muito direto, objetivo e, ao mesmo tempo amplo, prevendo todos os detalhes importantes e sempre insistindo na transparência, na informação e na participação da sociedade. Destaca-se a obrigatoriedade do Estado em instituir um Sistema Estadual de Informações Ambientais, informando anualmente na imprensa e no Diário Oficial a situação ambiental do RS, a criação de um banco de dados acessível ao público sobre o meio ambiente, a necessidade de se realizar avaliações de impacto ambiental e audiências públicas para planos regionais de desenvolvimento econômico, energético, agrícola, industrial e urbano, sendo uma inovação no Brasil e até mesmo em nível mundial. Antes era exigido apenas para o empreendimento ou atividade.

                                    Sendo sempre muito direto e objetivo, não deixando passar nada, a fonte geradora de qualquer tipo de resíduo, mesmo não perigoso ou tóxico, é responsável pela sua destinação final; para uma nova mineração, o empreendedor só poderá iniciá-la após a recuperação total da mineração que realizou anteriormente; o EIA/RIMA também deverá apresentar as alternativas tanto para outra forma ou processo do empreendimento inicial (por ex.: no lugar de um empreendimento energético de hidrelétrica, a viabilidade ou não através de energia solar ou eólica) como pela sua não execução; prevê-se também a anulação do EIA/RIMA se não obedecer uma série de disciplinamentos, bem mais amplos do que a legislação federal.

                                    Através do Código, a comunidade e o Ministério Público também poderão exigir audiências públicas para atividades ou empreendimentos mesmo naqueles que não dependem de EIA/RIMA, não tendo validade a licença sem a sua realização.

                                    Toda atividade ou  propriedade que respeitar as normas ambientais deverá receber estímulos e incentivos do Poder Público, inclusive projetos de ONG`s. Por outro lado, ninguém poderá receber financiamento do Sistema Financeiro Estadual se estiver em débito com o meio ambiente.

                                    De forma mais direta o gerador de qualquer tipo de resíduo fica responsável pela sua destinação final; para participar de licitação, o minerador terá que, antes, finalizar a recuperação dos danos causados da área anteriormente lavrada.

                                    São apenas alguns exemplos construídos pela sociedade. Todavia serão efetivamente executados e respeitados se o mesmo espírito de cidadania que culminou na sua elaboração e aprovação continuar sempre presente.

                                                     

 

*Coordenador da elaboração do Código Estadual do Meio Ambiente.