HISTÓRIA

Henrique Roessler e sua Luta dentro
de uma Perspectiva Histórica

Por ter nascido no final do século passado, Henrique Roessler teve a oportunidade de conviver com a natureza gaúcha relativamente intacta. O que pode ser perfeitamente visto nos trabalhos de Balduíno Rambo, pesquisador contemporâneo e conterrâneo de São Leopoldo, que, trabalhando a campo nos anos 20 e 30 escreveu um dos livros fundamentais das Ciências Naturais gaúchas: “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”.

Este trabalho é uma continuidade dos trabalhos de Lidmann e Saint-Hilaire e descreve um tempo em que a paisagem natural era marcada pela pecuária extensiva. As florestas de Araucária e as matas do Alto Uruguai ainda estavam de pé em sua maioria.

São os tempos da doutrina positivista de Borges e uma tecnologia humana disponível no estado com pouco impacto ambiental. O que foi muito bem retratado por José Lutzenberger (pai do ecologista) em suas cenas gaúchas. Neste ambiente é que viveu e cresceu o menino jovem Roessler. Tempos de contato com uma natureza rica e preservada que permitia coisas como beber água direto do rio do Sinos, em plena rua da margem, bem no centro de São Leopoldo, onde ele vivia com os pais.

Com a década de 20 e 30 inicia um novo ciclo na economia brasileira. É o início da industrialização no país, calcada no capital acumulado pelos barões do café e na grande massa de imigração estrangeira e européia que trouxe mão de obra qualificada. No Vale do Sinos também ocorreu o mesmo fenômeno.

Neste tempo é que Pedro Adams Filho monta as primeiras fábricas modernas de calçados baseadas no uso de máquinas importadas movidas pela energia elétrica da usina pioneira da cascata de São Miguel (construída em 1916). Máquinas estas importadas apoiadas pela política nacionalista de Getúlio Vargas.

Paralelo a isto ocorre o período de grande devastação florestal visando num primeiro momento a exploração do pinho nativo e depois a expansão agrícola até o rio Uruguai para cultivo de trigo e mais tarde de soja para substituir as importações no período da 2ª Guerra Mundial.

Roessler denuncia a existência de mais de 1500 serrarias operando no Estado nesta época. Este fato produziu uma grande modificação na paisagem gaúcha e os primeiros sinais de poluição e expansão urbana desordenada na grande Porto Alegre.  Tempo em que se começou a deixar de tomar banhos no Guaíba, por exemplo.

Foi contra estes efeitos que Roessler se voltou. Não é à toa que o seu trabalho oficial começa em 1939, como delegado de caça e pesca e posteriormente na UPN - União Protetora da Natureza. Pode-se ver isto claramente nos artigos desesperados que começou a produzir na segunda metade dos anos 50 via Correio do Povo Rural. Ali este processo é claramente apontado em artigos sobre a devastação florestal, caça, denúncias da poluição, lixo e esgotos. Ele combateu o primeiro ciclo de industrialização do país voltada para um desenvolvimento nacionalista que marcou os governos populistas dos anos de 30 a 50 desde Getúlio até JK.

Roessler não chegou a ver a segunda parte deste processo que com os governos militares foi implantada. É o período de abertura da economia ao capitalismo estrangeiro. Nos anos 60 começa a operação Tatu, que, patrocinada pela Fundação Rockfeller, introduz o calcário, trator, adubos químicos, monoculturas de exportação e agrotóxicos no campo. Acompanha o fenômeno uma grande migração campo-cidade que busca  trabalho na indústria nacional emergente nos grandes centros econômicos gerandos as “Monstrópolis”, que Roessler previu com todos os problemas de poluição, esgoto e caos urbano.

No seu Vale amado, começa o ciclo de exportação de calçados em 1969 que liquidou definitivamente com o rio do Sinos. No interior, a paisagem foi profundamente modificada. Só nos anos 80, este fenômeno começou a ser revertido graças ao intenso trabalho dos herdeiros de Roessler que, iniciando pela Agapan em 1971, se multiplicaram no Estado, gerando novas gerações de ecologistas. Fenômeno que não é só gaúcho, mas mundial. Roessler o acompanhava no seu tempo via material que recebia das instituições conservacionistas da Alemanha. Hoje em dia as novas gerações fazem o mesmo muitas vezes via Internet.

Os tempos mudaram, mas muitos dos problemas ainda precisam ser enfrentados. O inimigo agora vem sob a forma de internacionalização da economia, da biotecnologia e outros aparatos. O Movimento ecológico não pode parar se quiser permanecer fiel aos seus antecessores.

O autor é presidente do Movimento Roessler de Defesa Ambiental - ENDEREÇO - Rua Santos Pedroso 470/2 - Novo Hamburgo, RS CEP - 93511-970 - (0XX (51) 595-5148. E-mail: roessler@jornalnh.com.br.