AMAZÔNIA
Antes de quaisquer notícias do grande incêndio de Roraima, José A. Lutzenberger, Ibsen de Gusmão Câmara, Eneas Salati, Warvick E. Kerr, Paulo Nogueira-Neto, José Goldemberg, Israel Kabin e Eliezer Batista da Silva, por suas entidades no final enumeradas, enviaram, em fevereiro de 1998, manifesto ao Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, solicitando fosse convocada uma reunião de especialistas. O objetivo do encontro seria estabelecer políticas de desenvolvimento sustentável para a região. Os redatores chamaram a atenção sobre a exploração madeireira dentro das Florestas Nacionais e outras na Região Amazônica, nos seguintes 12 pontos:
1. Existem várias distorções no mercado mundial de madeiras tropicais que, de uma certa forma, podemos classificar como oligopolizado. Os instrumentos públicos e privados reguladores desse mercado internacional vêm, através de décadas, desenvolvendo políticas comerciais que acarretaram a devastação irrecuperável de florestas, sobretudo as localizadas no Sudeste asiático.
2. Os grandes países consumidores comandam as instituições internacionais reguladoras da exploração madeireira tropical nos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que são os maiores usuários deste mesmo comércio e, portanto, fazem uma política ambígua entre a necessidade de preservação e o interesse financeiro representado pela reserva de mercado destes países.
3. Chamamos ainda a atenção para a relação de troca perversa, oriunda do baixíssimo valor unitário das exportações de madeira tropical com relação ao valor agregado final, nos mercados consumidores dos países desenvolvidos.
O cenário humano da Amazônia tem apresentado historicamente soluções naturais que vêm sendo ignoradas pelos Governos e destruídas pela falta de compreensão e suporte
4. O Brasil até hoje não tem política claramente delineada com relação à sua participação nesta área de comércio e vem sendo explorado por empresas internacionais, que dominam tanto a produção quanto a comercialização de madeiras tropicais.
5. As poucas experiências de manejo em florestas tropicais por todo o mundo são, ainda, incipientes e não podem ser tomadas como paradigma para a abertura e estabelecimento de uma política de concessoes florestais. Até a presente data (15/1/98) são desconhecidos procedimentos de exploração realmente sustentáveis das florestas tropicais, devido à diversidade de espécies e sua dispersão nos ecossistemas.
6. Devem ser evitados quaisquer tipos de concessões florestais antes que sistemas de monitoramento, fiscalização e certificação sejam estabelecidos e tornem-se técnica e eticamente confiáveis.
7. Estamos convencidos, depois de vários anos de trabalhos científicos e acadêmicos feitos na Região Amazôniza, que é fundamental e imprescindível uma decisão imediata por parte do Governo com relação a projetos alternativos de desenvolvimento econômico sustentável para aquela região.
8. O modelo atual significa a consolidação de um sistema predatório e que terminará, seguramente, em um cenário idêntico àquele hoje observado nos países do Sudeste asiático e que, conforme vem sendo demonstrado, foi predador não apenas dos recursos naturais mas também da economia daqueles países como um todo.
9. As soluções até agora utilizadas, assim como outras preconizadas com relação ao uso econômico da Amazônia, vêm ignorando continuamente o cenário ecológico e a necessidade de sustentabilidade desta realidade.
10. O cenário humano da Amazônia tem apresentado historicamente soluções naturais que vêm sendo ignoradas pelos governos e destruídas pela falta de compreensão e suporte. É por essa razão que as reservas extrativistas e técnicas de colonização periférica, que pudessem servir de anteparo e alternativa para a penetração destruidora e predatória da floresta, não têm recebido quase nenhum apoio por parte do Governo.
11. A experiência de colonização ao longo de três décadas evidenciou que o estabelecimento de uma produção agropastoril sustentável é ainda impossível, levando-se ao estabelecimento de uma área degradada da ordem de 10% da Amazônia Legal (desmatamento de aproximadamente 40 milhões de hectares). A continuar nesse ritmo, o futuro da maior floresta tropical do Planeta será o mesmo de outras áreas florestais hoje desaparecidas. Exemplo gritante e próximo é o que ocorre às florestas atlânticas no Brasil, hoje reduzidas a menos de 5% do que eram originalmente.
12. O desmatamento em outras regiões do Brasil para o estabelecimento de áreas de produção já produziu significativas conseqüências ecológicas, mas aparentemente não afetou o clima de forma acentuada. No entanto, a perda da cobertura vegetal da Amazônia implicará inexoravelmente em modificações climáticas regionais, com consequências globais que vão além do aniquilamento da biodiversidade pela destruição dos habitats sem gerar riquezas reais.
Devem ser evitados quaisquer tipos de concessões florestais antes que sistemas de monitoramento, fiscalização e certificação sejam estabelecidos e tornem-se técnica e eticamente confiáveis.
Afirmam, ao final, que a nossa responsabilidade, como brasileiros que dedicaram a maior parte de suas vidas em trabalhos acadêmicos e institucionais ligados à políticas de meio ambiente, é que nos levou redigir este apelo a Vossa Excelência, não apenas por ser Presidente da República, mas também por tratar-se de um dos mais ilustres membros da comunidade acadêmica que sempre lidou, direta ou indiretamente, com conhecimentos ligados à preocupação dos cenários humanos e seu relacionamento com a Natureza
Assinaram:
José Goldemberg, Prof. da USP e Ex-Secretário de Meio Ambiente da Presidência da República em 1992, Israel Klabin, Presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, Eliezer Batista da Silva, Ex-Secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Ibsen de Gusmão Câmara, Presidente da Sociedade Brasileira de Proteção Ambiental, Paulo Nogueira-Neto, Professor da USP e Ex-Secretário de Meio Ambiente (Federal), Eneas Salati, Diretor Técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e Ex-Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, José Lutzenberger, Presidente da Fundação Gaia e Ex-Ministro de Meio Ambiente, e Warwick E. Kerr, Professor na USP e Ex-Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.