JUDICIÁRIO

Prefeitura de Florianópolis condenada por destruição de mangue

Decisão sobre a praia da Daniela é precedente que poderá impedir a destruição da Ilha de Santa Catarina

Florianópolis, outubro de 1996 - O Juiz da 4ª Vara Federal de Florianópolis, Romulo Pizzolatti, condenou o Município de Florianópolis a abster-se de autorizar quaisquer obras particulares ou públicas nas áreas de mangue da praia da Daniela,  na Ilha de Santa Catarina, e ainda a pagar uma indenização ao Fundo de Defesa dos Interesses Difusos no valor de R$ 648.800,00. O magistrado restringiu-se aos pedidos do autor, o Ministério Público Federal — MPF, afirmando que além não poderia ir. A sentença foi divulgada no início de setembro de 1996. Até o final de 1996, o processo deve chegar a Porto Alegre onde será  apreciado em segunda instância no Tribunal Regional Federal.

A decisão teve origem na Ação Civil Pública proposta pelo MPF  em 19 de dezembro de 1988 contra o Município de Florianópolis por danos causados ao meio ambiente na área de manguezal. O processo atingiu 6 volumes e cerca de 1230 folhas, até agora.

O fato

Em março de 1972, a Prefeitura aprovou o loteamento Balneário Daniela, localizado no norte da Ilha de Santa Catarina, estando hoje praticamente vendidos os 1003 lotes. O loteamento foi implantado parte em terras de ninguém e parte substancial em terrenos de marinha de propriedade da União, cobertos de mangue. O Ministério Público Federal argumentou que o loteamento feria frontalmente o Código Florestal, artigo 2º, que diz: “— Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação situadas: (f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”.  

A decisão

O Juiz aceitou o argumento. O MPF informou que a Lei nº 6.938, de 1981, tornou as formas de vegetação natural de preservação permanente, relacionadas no artigo 2º do Código Florestal, equiparadas a reservas ecológicas e que a Resolução CONAMA nº 4, publicada em 20-1-1986, esclarece serem os manguezais também vegetação natural a serem protegidas.

O MPF entendeu que a declaração da nulidade do loteamento, hoje, esbarraria com uma situação de fato consumada que são as dezenas de casas de alto valor existentes em cima do mangue aterrado.  E propôs que somente a Prefeitura deveria ser responsabilizada.

A decisão somente foi possível após um longo e exaustivo trabalho do professor Daniel de Barcellos Falkenberg, da cadeira de Botânica Sistemática do Departamento de Botânica a UFSC, que funcionou como perito, indicado pelo juiz.

O juiz Pizzolatti declarou ao AgirAzul que infelizmente o Poder Público não se preocupa com a fiscalizaçao de atividades ilegais de construção, aterro, incorporação, que levam à devastação. Ele entende que o Ministério Público “deveria ter melhores condições para viabilizar medidas rápidas e eficazes por parte do Poder Judiciário, que permanece, como a deusa grega Themis que representa a Justiça, de olhos vendados à realidade, só agindo quando provocada”. “Por causa de um amadorismo quase geral, processos relacionados com o meio ambiente, que são praticamente inéditos, em vez de serem julgados em um ano, levam uma década, quando a decisão pode não ter mais efeito prático direto; esta decisão atendeu o pedido, mas não resolveu o dano”, conclui Pizzolatti.

A Apelação

Já o procurador da República que atua no processo há um ano, Roberto Luis Oppermann Thomé, noticiou a esta publicação que o Ministério Público Federal apelou da decisão, não se conformando com o baixo valor da indenização decidida pelo Juíz e representando contra os responsáveis da CELESC (luz) e CASAN (água) que desobedeceram a ordem liminar judicial que, em 1989, havia determinado que não fossem realizadas novas ligações no balneário de Daniela. A Procuradoria entende que houve no mínimo omissão da Prefeitura, que não exerceu seu poder de polícia para impedir a construção de mais de 50 casas sem qualquer licenciamento ou mesmo interessou-se em demoli-las. Para Thomé,  “a decisão da Justiça não foi obedecida”.

Ele afirma que a decisão sobre o caso da Daniela poderá influir positivamente em futuros casos que certamente surgirão pois, em Florianópolis, o “Poder Público pouco atua para liberar ou delimitar áreas de construção, ou deixar de ligar água ou luz”

Thomé elogiou o trabalho do perito do Juiz, professor Falkenberg: “Foi um trabalho excepcional, que até criticou a delimitação da área utilizada pelo Ministério Público, com razão — na época da impetração da ação usamos dados oferecidos por fontes diferentes. Mas discordamos do perito quanto ao modo da avaliação do valor do dano sugerido e aceito pelo Juiz”, diz Thomé, esclarecendo: “Falkenberg, mesmo certificando que o valor do mangue é inestimável, concluiu o seu trabalho avançando na difícil tarefa de fixar o valor do dano fazendo uma média entre os valores mínimo e máximo dos lotes no mercado, chegando ao valor de R$ 12 mil cada, interferindo aí a distância de cada lote da praia; nós cremos que deveria ter sido penalizado o Município utilizando-se o preço máximo dos lotes, ou seja, justamente daqueles que ficam mais perto da praia, o que elevaria a indenização a três vezes o arbitrado pelo Juiz”.

Espernear é Livre

Uma associação de moradores do balneário da Daniela  já está se mexendo procurando se opor a possível demolição de algumas casa pela Prefeitura. No Parque de Itapuã, no Rio Grande do Sul, dezenas e dezenas de casas construídas por veranistas invasores na área desapropriada  tiveram que ser abandonadas por ordem da Justiça,  já que não existia  direito deles permanecerem no local.