Porto Alegre, outubro a novembro de 1996 - A classe média do Rio Grande do Sul tinha um hábito no verão: a família, pelo menos alguns dias ao ano, viajava ao Litoral Norte para freqüentar as praias de mar e descansar. Hoje, quem pode vai à Santa Catarina ou ainda mais longe.
A maior cidade, Porto Alegre, fica distante cerca de 100 km do ponto de encontro com o Oceano Atlântico mais próximo, diferentemente da maioria das grandes cidades brasileiras que se localizam no litoral. Deste ponto mais próximo a Porto Alegre, até Santa Catarina, é o que se chama de Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
Com o passar do tempo, ali se alojou muito fortemente a indústria da Construção Civil, uma das que melhor explora a mão-de-obra barata e a que, por contrastes da vida, ajuda a construir mansões e edifícios luxuosos para ocupação ocasional. Os trabalhadores são alojados na Vila do Vire-se Sozinho, no meio do barro, filhos e filhos, choupanas, sem opções de lazer, bebidas, e muita pobreza. Por ajuda às suas campanhas, corrupção ou mesmo boa-intenção, os políticos locais promoveram nos últimos anos a indústria dos edifícios altos (em Torres, no verão 1995/96, havia mais de 15 edifícios com mais de 10 andares em construção). Isto estourou a capacidade de fossas ou estação de tratamento de esgotos.
Dentro das circunstâncias estão políticos e comunidades que entendem que desenvolvimento significa multidões, edifícios, ruídos e muita poluição.
Há 14 anos da Conferência de Estocolmo, os meios de comunicação gaúchos, quase monopolizados pela RBS, continuam refletindo os diversos interesses de suas empresas e crendo na inevitabilidade do crescimento econômico no ritmo e nas formas predatórias de sempre.
A vida econômica do Litoral Norte se dá praticamente no verão. Algumas localidades passar a ter 200 mil habitantes além dos 14 mil de residentes e trabalhadores. As localidades não tem esgoto; nenhuma faz separação de lixo e o recolhimento é sofrível. Como em tudo, sempre há exceções, mas nada significativas dentro de um quadro geral.
O esgoto é jogado no no mar, por vias diretas ou indiretas. No verão de 1995/1996, a situção chegou a tal ponto que os representantes da promotoria federal resolveram proteger bens da União, como as praias marítimas, os terrenos de marinha, o mar territorial, onde ocorriam dano ecológico e entraram com diversas ações civís públicas na Justiça Federal com o objetivo de começar a resolver definitivamente a situação.
A FEPAM, agência estadual de fiscalização ambiental, começou a analisar as águas do mar. Para surpresa e revolta dos comerciantes e políticos locais, foram encontrados diversos locais inapropriados para banho, poluídos por coliformes fecais. Diligentemente, a FEPAM colocou placas de local poluído avisando a população.
Foi triste: os políticos, num arroubo de indignação e inversão de papéis, foram às rádios locais dizer que a culpa de prejuízo nos negócios dos comerciantes pela diminuição dos veranistas era da própria FEPAM, que havia criado a situação!
Ainda em 1989, a UPAN - União Protetora do Ambiente Natural - (que fez este ano 25 anos veja matéria nesta edição do AgirAzul) representou ao Ministério Público solicitando providências em relação ao estado de nossas praias. O acompanhamento da questão por este órgão, portanto, é antigo.
O procurador da República Luis Alberto Aurvalle, à época curador de meio ambiente do Ministério Público, ainda em fevereiro, em pleno verão meridional, ajuizou diversas ações civis públicas buscando obrigar as Prefeituras do Litoral a instalarem sistemas de esgoto cloacal para evitar a ida in natura deste material para o mar.
Segundo o procurador, a contaminação das águas por coliformes fecais acima dos níveis permitidos é fonte potencial de doenças de todos os gêneros, tais como hepatite, alergias, micoses e desidratação. As ações visaram obrigar a apresentação à Justiça de planos detalhados de implemantação dos sistema de tratamento do esgoto cloacal das cidades e a cessação imediata de novas licenças para a construção no perímetro urbano.
Numa guerra de desinformação, neste segundo semestre de 1996, ainda circula informação de que é a FEPAM quem impede o trabalho da construção civil no litoral, trazendo pobreza aos engenheiros e operários da construção civil. Culpados pela situação são os executivos municipais que se repetem há vinte anos na região.
O magistrado Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, então na 5ª Vara Federal, em Porto Alegre, deferiu liminar em relação a Torres já no início do março, determinando que somente fossem emitidas novas licenças para construção dentro do perímetro urbano mediante a apresentação do projeto do sistema autônomo de coleta, tratamento e destinação final, devidamente aprovado e licenciado pelo órgão de saneamento do Estado.
E abriu ainda a possibilidade do município pleitear a revogação da liminar caso apresentasse ao Juízo plano detalhado de recuperação e/ou ampliação do sistema de tratamento de esgoto cloacal, devidamente aprovado pela FEPAM ou órgão competente.
O que o prefeito de Torres (pela terceira vez) bacharel em Direito Clóvis Webber Rodrigues afirmou ao Juiz é de chorar: não caberia qualquer responsabilidade da prefeitura diante da questão dos esgotos porque existe a concessão à CORSAN explorar estes serviços em todo o litoral. (O mesmo cidadão que, em reunião com os veranistas preocupados com a depauperação da cidade, disse que não podia deixar de autorizar edifícios, mesmo não havendo estrutura na cidade, por que se não o pessoal dos bairros pobres não teria trabalho).
Ora, concessão se faz quando a responsabilidade final é de quem concede. Ou não?
O Procurador da República João Carlos de Carvalho Rocha acaba de solicitar uma perícia judicial para exame da balneabilidade das águas da Praia Grande, Praia da Cal e no ponto de lançamento de esgotos no rio Mampituba, a serem realizadas nos dias de maior movimento, no verão.
As alegações formuladas por este município solicitando o levantamento da liminar foram, no mínimo, curiosas. Por exemplo, a Prefeitura afirmou que havia um aumento da rede coletora de 28.719m para 28.213m e que apenas 58,45% das unidades abastecidas com água são atendidas por coleta de esgotos. E, por noticiar que celebrou um convênio com a CORSAN para a ampliação desta rede de coleta de esgotos, pediu a revogação da liminar! Mas não juntou ao processo o tal convênio ou mesmo um plano detalhado da ampliação e/ou recuperação do sistema existente. A ação prossegue.
Este balneário tenta reinventar a roda. Retornando trinta anos, afirma que a solução para o seu caso é a obrigatoriedade, por nova lei municipal, de construção de fossas sépticas. Ora, já em 1989, a CORSAN já referia que "o sistema de esgoto classicamente utilizado pela população brasileira é aquele composto por fossas séptcas com disposição final no solo; com o crescimento e densificação populacional oriundos da urbanização progressiva do País, este sistema torna-se inviável, acarretando toda sorde de dano à saúde pública e ambiental; nesta situação torna-se essencial a implantação de sistemas de esgoto sanitários racionalmente planejados e operados".
Bom. Neste pé estamos. Com novos prefeitos eleitos (alguns os mesmos de sempre) agora em 3 de outubro, talvez o enfrentamento da situação seja realizado, ao invés de investimento em tergiversações. Vamos ver a situação no próximo verão! E que a FEPAM consiga reeditar o trabalho do último verão, até com mais eficiência. (Redação de João Batista Santafé Aguiar)