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Porto Alegre, outubro de 1996 - O prefeito de Porto Alegre Tarso Herz Genro ainda não pagou o devido pela desapropriação da área de 102 ha que estende a Reserva Biológica do Lami à Ponta do Cego. E este prazo termina a 24 de março de 1997, período inicial da nova administração municipal.
A denúncia é do presidente da PANGEA - Associação Ambientalista Internacional (mantenedora do AgirAzul), advogado Augusto Carneiro, e do DAIB - Diretório Acadêmico do Instituto de Biociências da UFRGS.
Com a eleição de Raul Pont para sucedê-lo, em 3 de outubro, há expectativas de que Genro aproveite seus últimos dias para efetuar o pagamento da desapropriação ou parte dela.
Representantes da prefeitura, em reunião realizada na Câmara de Vereadores, afirmaram que as negociações com o proprietário, Romeu Adegas, são difíceis, esbarram na discussão sobre o valor da área, prosseguirão até a última possibilidade.
Carneiro afirma ter sido informado pela SMAM - Secretaria Municipal do Meio Ambiente que o pagamento está previsto para 1997. Mas, diz ele: “acredito que dificilmente isto irá ocorrer pois, do conhecimento que tenho de administrações públicas desde os tempos de Getúlio Vargas, com tudo piorando, é muito difícil haver o empenho da quantia correta até a data fatal, no início do ano, quando os funcionários tiram férias, a não ser que haja a tal de `vontade política que existe para certas obras!”
Histórico
Em 1972, por influência dos debates sobre ecologia urbana, a imprensa denunciava continuamente que Porto Alegre, em volume de área verde, tinha uma metragem mínima por habitante, abaixo de qualquer outra cidade importante. O então prefeito Telmo Thompsom Flores ficou bem impressionado com a proposta do técnico da Prefeitura e fundador da AGAPAN, Lair Ferreira, que lhe sugeriu que com um acréscimo de uma área de banhados abandonada no importante bairro do Lami, a soma desta área ao total de áreas verdes faria a cidade dar um salto e se posicionar dentre as melhores cidades em áreas verdes por habitante.
Thompson aceitou a sugestão e mandou realizar estudos para transformar a área, que já era propriedade da Prefeitura, destinada a loteamentos populares, em reserva biológica. Depois, esqueceu. A área era constituída de banhados e mata primária, com rica e representativa fauna e flora nativas.
Na administração seguinte, de Guilherme Socias Vilela, finalmente foi levada a efeito a efetivação da Reserva Biológica sobre a pequena área de 77,3ha, com finalidades exclusivamente científicas e de proteção à fauna e à flora do Guaíba, através do Decreto 4.097, no último dia de 1975. O mesmo prefeito, hoje Secretário dos Transportes do governo Britto, ampliou a proteção da área pelo Decreto 6.222, em 12 de dezembro de 1977, transformando os terrenos circundantes em de “preservação permanente”, muito antes do CONAMA-Conselho Nacional do Meio Ambiente, através da Resolução nº 13/90, estender o conceito a todo o país.
Passados dez anos, em 1987, o Núcleo do Rio Grande do Sul da FBCN (uma das iniciativas que deram origem a atual PANGEA, mantenedora do AgirAzul), iniciou a reivindicar a extensão da Reserva, que abrangeria toda a Ponta do Cego, necessária devido às suas diminutas dimensões iniciais. O assunto chegou a ser considerado pelos técnicos, mas sem progresso algum.
Em janeiro de 1991, a mesma entidade, apoiada por mais 14 (Nota 1), pediu a agilização da desapropriação. Caio Lustosa, secretário do Meio Ambiente, à época, patrocinou a causa, e a apresentou ao prefeito Olívio Dutra, que avaliou bem sua importância e fez publicar, em 24 de março de 1992, o Decreto 10.250, desapropriando a área.
Mas na mudança de governo municipal, com a assunção de Tarso Herz Genro, o caminho da regularização do efetivo pagamento e posse da área desandou. Como é prática nestes casos, atualmente, a Prefeitura tenta sempre um “acordo”, com o proprietário, o que nem sempre é possível ou fácil.
Ora, diz Augusto Carneiro, “de acordo com a Lei das Desapropriações (3.365/41), o decreto desapropriatório caducará em 24 de março de 1997 e somente após transcorrido um ano a área poderá ser objeto de nova declaração”. O medo do presidente da PANGEA é que realmente “não haja vontade política para dispor da verba necessária à desapropriação num início de ano — se passar este curtíssimo prazo, a ampliação da Reserva estará perdida”.
O Carneiro nota, ainda, que, pelo menos no discurso, a Ponta do Cego já foi incorporada pela Prefeitura ao seu patrimônio já que divulga propaganda aos quatro ventos que a Reserva Biológica do Lami tem 215ha, como dá a entender a publicidade enganosa de um folder denominado “Passeios Ecológicos”.
O Diretório Acadêmico do Instituto de Biociências - DAIB -, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, também é defensor intransigente da ampliação da reserva. Em 2 de junho, para marcar a Semana do Meio Ambiente, promoveu e realizou grande passeio ciclístico (leia Nota 2) do centro de Porto Alegre até o Morro da Extrema, nas proximidades da Reserva. Em alguns momentos, a manifestação juntou cerca de 300 ciclistas.
Ao chegarem no final do trajeto, foram recebidos por uma estrondosa manifestação dos moradores locais, favoráveis à ampliação e contrários à instalação do Aterro Sanitário da Zona Sul em uma saibreira, o que, segundo Emerson André Casali, da coordenação do DAIB, afirmou ao AgirAzul, poderá ocasionar risco de contaminação do lençol freático localizado a poucos centímetros da superfície. E lá, não há água de hidráulica.
Cristiano Machado Silveira, também coordenador do DAIB, afirma que “os moradores não querem água com cloro, de hidráulica, até porque a água que vem dos poços é limpa e boa”.
Os dirigentes do DAIB também lembram que o Morro da Extrema, ainda é utilizado para dormitórios de bandos de bugios, já registrados pela equipe do Projeto Macacos Urbanos (veja matéria nesta edição). E, completam, “a localização proposta contradiz o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano atual, que prevê ali área de preservação”.
A Prefeitura evita participar de discussões públicas sobre porque não deposita o dinheiro da desapropriação em Juízo para discutir depois o valor final, se o dono não concordar. E colocou dificuldades para receber o abaixo-assinado, promovido pelo DAIB, solicitando o pagamento desta desapropriação, afinal entregue durante a 1ª Conferência Municipal do Meio Ambiente, dia 6 de junho.
Augusto Carneiro, da PANGEA, afirma, finalmente, que “se realmente os derradeiros ecologistas de Porto Alegre valorizam as áreas naturais e estão ao lado do Rio Guaíba, que todos saibam se unir, principalmente com o apoio do Projeto Guaíba Vive e da SMAM, para garantir a ampliação da Reserva Biológica do Lami, em benefício da cidade e do rio”.
A Reserva Biológica do Lami situa-se ao sul 30km de Porto Alegre e tem 77,4ha. Mantém rara paisagem natural e rica biodiversidade remanescente das margens do Guaíba. Preserva a gimnosperma Ephedra tweediana, além de outras espécies raras ameaçadas da flora e fauna locais, como a lontra, o mão-pelada e o jacaré-de-papo-amarelo. Apesar de sua importância, a área da Reserva é insuficiente para manter as muitas populações de animais silvestres em seu território.