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Serviço público x Militância

Qual a sensação e papel de um militante ecologista ao assumir um cargo público em órgão ambiental ?

Depoimento de Luiz Felippe Kunz Júnior*

Esta é uma pergunta que tem perseguido as pessoas que participam e/ou acompanham o movimento ecologista. E para o qual pretendo trazer algumas respostas baseadas em minha experiência pessoal.

Em primeiro lugar vem o desafio de colocar em prática aquilo que reivindicamos quando estávamos apenas no movimento. E isto exige uma capacidade de definir prioridades, redefinir atividades e projetos e, acima de tudo, uma atuação constante de convencimento político, buscando cavar espaços e recursos para que uma política ambiental baseada em ação e não em discursos e planos, seja implementada. Levar e discutir o trabalho às comunidades e à opinião pública e nos fóruns de discussão do Governo.

As atividades do órgão ambiental ou da parcela deste que você administra, não podem ser escondidos dentro de quatro paretes. Elas devem ter impacto, para que a própria comunidade sinta a sua necessidade, cobre sua continuidade, o que acaba por criar uma vontade política, com liberação de verbas e recursos necessários para tornar viável atividades de controle e gerenciamento ambiental.

Em segundo lugar, devemos ser aquilo que cobramos e o que a sociedade cobra dos funcionários públicos: funcionários exemplares. Não podemos admitir que um militante ao assumir um cargo público transforme-se em um burocrata piloto de escrivaninha, sem compromisso com horários e achando que está lá em virtude de seu exclusivo brilho pessoal, sem dever explicações ao movimento e à população. Quando isto acontece há um natural desgaste do movimento como um todo, perante o funcionalismo público e à sociedade. Devemos, neste caso, transformar nossa combatividade no movimento no movimento em capacidade de trabalho, sob pena daquela começar a ser seriamente questionada.

Finalmente, gostaria de colocar a questão da opção por assumir este desafio. Ao assumir um cargo público em uma Administração colocamos a nú nossas convicções políticas. Não acredito na suposta neutralidade política, que muitos tentam impingir ao movimento ecologista. Assim, como a ciência não é neutra, muito menos o movimento o é. Por isto, assumi um cargo na Administração Popular. Não assumiria cargo semelhante em outros governos. Creio que não podemos subir no muro, ou agradar exploradores e explorados. E na AP, apesar dos erros que se cometem, acredito terem sido muito maiores os acertos. O orçamento participativo creio ser o maior avanço conseguido e existe uma vontade política de conter a utilização irracional da natureza feita pelo grande capital.

Dentro desta visão, não tenho nenhum constrangimento de agora estar do outro lado. pois realmente creio que não mudei de lado, apenas mudei de funções.

* LUIZ FELIPPE KUNZ JÚNIOR é médico-veterinário formado em 1985 pela UFRGS. Foi vice-presidente da AGAPAN - Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. Atualmente é membro do Conselho Superior desta entidade e exerce a função de confiança de Coordenador de Ambiente Natural na Secretaria Municipal do Meio Ambiente do município de Porto Alegre.  

Texto publicado no AgirAzul Zero em junho de 1992.