|
As últimas notícias da EcoAgência
|
Ecovila em Porto Alegre é laboratório vivo de sustentabilidade |
|
Casas estão sendo construídas com nova filosofia |
EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
08-jul-03
Morar em uma Capital, em meio ao verde. Melhor que isso: viver pertíssimo da mata nativa e, ainda residir em uma casa ecológica. Isso será possível em Porto Alegre. Está saindo do papel, depois de quase uma década de planejamento, o primeiro vilarejo ecológico da região metropolitana. É a Ecoovila 1, um lançamento da Cooperativa de Trabalho Transdisciplinar (Arcoo). São conjuntos habitacionais construídos de forma coletiva utilizando fontes naturais de energia.
“Começo a festejar a vida. É a concretização de um sonho que virou de vários”, declara a relações públicas Tatiana Bastos, uma das integrantes do condomínio-cooperativa. Ela está de muda do bairro Rio Branco, em Porto Alegre, para a Ecoovila. Sua casa é uma das mais adiantadas, aguarda ansiosa a hora ir para a Vila Nova. Há várias equipes de trabalho que estão tocando as obras.
A Ecoovila 1 reúne pessoas das mais variadas profissões: fotógrafos, agrônomos, médicos, engenheiros, professores, dentistas, entre outros.
O idealizador e responsável técnico do projeto, Arquiteto Otávio Urquiza, está empolgado com o empreendimento. Urquiza, que é paranaense, sente-se “praticamente gaúcho”, veio para o Rio Grande do Sul estudar arquitetura na Unisinos. Diz que desde 1983 começou a pensar em soluções estratégias para habitação, e que somente agora está conseguindo realizar o seu desejo. |
De 1990 a 1992, traçou os primeiros passos para a Escola de Economia de Habitação, fundamentada nos ensinamentos de Paulo Freire. “Para deixarmos de ser analfabetos na economia da habitação”, alfineta.
Ele explica que a Arcoo funciona como um sistema de poupança prévia, que através da coletivização das poupanças dos interessados, é possível adquirir belas áreas a um preço muito mais acessível. Esse filho de carioca com espanhol já chegou a fazer um grande projeto habitacional para a Zona Norte de Porto Alegre – o Coometal – uma cooperativa para 500 famílias de metalúrgicos. Entretanto, a empreitada não deu certo, nunca conseguiu sair do papel, mais precisamente “dos processos finais de aprovação da prefeitura”, aponta o arquiteto. Para ele ,“grandes e injustificadas barreiras se opuseram,” para o projeto não decolar.
Urquiza salienta que a Arcoo hoje procura mostrar um caminho sem obstáculos para aqueles que desejam morar em uma ecovila. “Temos uma visão facilitadora para que muitas pessoas possam e devam morar em uma ecoovila. Basta ser trabalhador e necessitar de um serviço inteligente e de baixo custo de produção e manutenção”.
Mas para participar de uma proposta como esta, é preciso ter algumas características. “As pessoas tem que estar reunidas e movidas por um sonho, uma visão, um ideal, que compartilhem. É um processo longo e que requer a participação de todos, em todas as fases do planejamento e da construção, mas que vai envolvê-los durante a gestão”.
Esta é a opinião do Professor Miguel Aloysio Sattler, pesquisador do Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul- o NORIE. Para morar em uma ecovila é preciso ter afinidade e participação, acredita. Os integrantes da Ecoovila salientam que a participação é fundamental, principalmente em cima de objetivos e metas bem concretas.
Ele assegura que existem exemplos “fantásticos” de comunidades do tipo Cohousing, cuja "cola", o que liga as pessoas, muitas vezes nem é ecológica. “Conheci uma na Dinamarca, que também é ecológica e que daí se torna fascinante”. Mas ele diz que nos sistemas de Cohousing, mais freqüente na Escandinávia e Estados Unidos, as pessoas participam de todo o processo e depois se mantém em contato, através de atividades de socialização que ocorrem no seu centro comunitário. Sattler acrescenta que cada família participante se responsabiliza em preparar o jantar em um dia específico, a periodicidade e a distribuição de tarefas depende do número de famílias participantes da comunidade (normalmente de 20 a 30 famílias). Eles compram os ingredientes, preparam as refeições, e depois, deixam tudo em ordem. Os demais, conversam, brincam, jogam, deliciam-se com o jantar. Enquanto isso as crianças brincam no salão de jogos, ou outros espaços. O professor ainda salienta que nestes centros comunitários eles também abrigam ferramentas, sementes, tem a sua biblioteca e muitas vezes quartos de hóspedes. “Isto ilustra como o sistema pode continuar a envolver a todos depois do projeto ou construção. Muitos desistem no caminho, mas muitos vão até o final”, explica.
Para o professor Sattler uma ecovila pode ser pensada e é viável para qualquer local, seja uma área rural, suburbana ou mesmo urbana."Na Alemanha, por exemplo, as pessoas se organizam, compram um quarteirão inteiro, reformam os prédios, com práticas ecológicas, criam hortas internas, utilizam energia solar”, exemplifica o professor. Existem milhares de iniciativas deste gênero em todo o mundo. Muitas podem ser conferidas no sítio http://www.gen.ecovillage.org
Urquiza explica que a idéia é utilizar várias técnicas modernas para ter o aproveitamento de materiais e o mínimo de desperdício. Outra questão respeitada e também lembrada por Sattler é o ciclo de vida dos materiais. A escolha utilizada na Ecoovila 1 considera a durabilidade, o custo e se são saudáveis para os operários e para os futuros moradores. “Isso contribui para que o trabalhador contribua para a sua produção”. Ele aponta que o ideal é a utilização de materiais locais, que não exijam grandes distâncias de transporte e que gerem empregos e renda no local na construção. As casas dos operários, por exemplo, tem entrada de luz natural e são construídas com OSB, um tipo de compensado mais grosso e resistente, feito a partir de lascas de madeira.
As construções respeitam o terreno, com “terraplanagem e impermeabilização zero”. As casas ficam de frente para o sol, ficam um pouco de lado no terreno, mas dessa forma dá mais claridade para as residências.
|
As edificações são termoacústicas, ou seja, as paredes são de tijolo duplo, a fim de conservar melhor a temperatura interna (fresca no verão e quente no inverno) e os vidros das janelas também são duplos, o que evita os ruídos desagradáveis e ainda mantém a temperatura. Tudo isso, para que não seja usado o ar-condicionado, eletrodoméstico tão utilizado nas grandes cidades.
Além de materiais ecológicos, são utilizadas técnicas facilitadores e minimizadoras de desperdício. O sistema Spat, que é a alternativa usada para erguer as estruturas, alia aço e concreto a alvenaria tradicional. Dispensa o uso de formas de madeira para vigas e pilares, o que reduz o desperdício em material e o tempo de execução. Dessa forma, é mais fácil o preenchimento dos vão com alvenaria.
As casas, que podem ser em três tamanhos: com um, dois ou três quartos, acompanham a posição solar. A maior parte das estruturas e lajes já estão fixadas no terreno inclinado da Ecoovila 1. As casas estão voltadas para o norte solar, o que possibilita maior incidência de raios de sol no inverno e uma menor no verão. Aquelas que estão no alto, descortinam uma bela vista da zona Sul com o Guaíba ao fundo.
A lareira, que também serve de forno, promete ser mais eficiente, aquecendo toda casa. Ao lado da chaminé, correm dois canos, um de cada lado, que conduz o calor para outros compartimentos e auxilia no aquecimento de água. Esse sistema propicia um consumo menor de lenha, o aquecimento do ambiente por irradiação e convecção de ar quente.
Dentro da infra-estrutura ecológica, ainda estão previstos o reaproveitamento de águas para irrigação, captação de águas pluviais e a separação de lixo nas residências. Os esgotos terão tratamento biológico e se transformarão com pequenos córregos de água limpa.
Do lado de fora, o jardim será totalmente diferente dos convencionais, baseado na permacultura. São espirais de ervas, mandalas com hortifruti que colorem e “harmonizam” o ambiente. Uma curiosidade é o aromatizador de ambientes. Um cano de 30 centímetros sai de dentro da terra, entre ervas como hortelã, alecrim, manjericão e flores leva o frescor deste cheirinho para o interior da casa.
Também está prevista plantação de hortaliças, temperos, árvores frutíferas, floríferas e aromáticas. Além disso, terão composteiras de lixo orgânico, quiosques e sede de manejo dos jardins.
Mas, sem sombra de dúvida, a grande atração da Ecoovila 1 é a mata nativa que ocupa um terço do terreno. A área, chamada de Bosque do Silêncio, com matacões de granito, árvores e arbustos diversos, e uma representativa diversidade de aves, é uma pequena mostra do ambiente dos morros de Porto Alegre. A Arcoo pretende utilizar o bosque para atividades de educação ambiental e também para a arrecadação de fundos. A idéia é propagar respeito e referência à mata afim de gerar consciência às crianças e adultos, lembra Urquiza.
Na Ecoovila 1, o Plano Diretor de Porto Alegre permitiu a construção de 51 unidades habitacionais, mas a Arcoo está propondo 28. O projeto da Arcoo está procurando inverter a lógica do mercado. Quer se valer da solidariedade econômica, física e cultural para viabilizar o projeto. A idéia é embasada no tripé: ecologia, educação e economia. Será um laboratório vivo da Escola da Economia da Habitação, fundada pelo idealizador Otávio Urquiza. O referencial teórico para o condomínio é a permacultura (culturas permanentes – sistematizada pelo biólogo Bill Millison, que recebeu o Prêmio Nobel em 1982).
A Arcoo já dispõe de duas áreas no bairro Vila Nova, zona sul da capital gaúcha. A primeira, na estrada João Passuelo, 130, dispõe de 26 mil m², está prevista a construção de 28 unidades residenciais. Já os planos para a Ecoovila 2, que terá 90 mil m², é distribuir pelo terreno 56 unidades residenciais, ou seja, com uma densidade de ocupação ainda menor.
A Cooperativa tem outro aliado importante nos seus empreendimentos é o dono dos terrenos que adquiriu. “Tive o cuidado de vender para pessoas que mantém o máximo a ecologia”, frisa a o empresário Firmino Pavan. Ele era o proprietário do terreno da Ecoovila 1 e também da 2. Ele conta que foi procurado por várias incorporadoras, grandes empresas, mas que preferiu negociar com a Arcoo. Freqüentemente, seu Firmino visita a Ecoovila 1. Ele arrisca em dizer que até já pensou em se mudar para a Ecoovila 2, quando se aposentar.
NOVA HARTZ - Existem outras iniciativas na região metropolitana de Porto Alegre que não foram como a da Ecoovila 1. Uma delas, é o Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentáveis, também uma ecovila, um projeto de pesquisa do NORIE, desenvolvido para a Fundação de Ensino e Pesquisa (FINEP) e Caixa Econômica Federal. Foram planejados aspectos relativos às habitações, ao abastecimento de água, à gestão de resíduos (sólidos e líquidos), à gestão energética e à produção de alimentos.
Foram construídas oito casas em Nova Hartz, a 80 km de Porto Alegre. Mas, infelizmente, o projeto não prosseguiu, nem foi minimamente implementado, lamenta o professor. Satler avalia que isso ocorreu por “problemas políticos, para dizer menos”. Mas conta que o NORIE sempre está sendo consultado sobre a iniciativa. “Alguns alunos nossos, inclusive, tem participado na elaboração de projetos e construção, como em Triunfo e Santa Cruz do Sul, mas ainda não concluímos nada como gostaríamos”, desabafa.
ARCOO - www.arcoo.com.br
NORIE - http://www.cpgec.ufrgs.br/Norie/
Reportagem da Jornalista Silvia Marcuzzo Reg. Prof. 7551/RS silvia@ecoagencia.com.br - para a EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br - Fotos de Carlos Stein - stein@ecoagencia.com.br