A notícia da maior onda do Brasil é motivo de apreensão e
polêmica quanto à dimensão ambiental do fenômeno, já que ele ocorre
exclusivamente nos arredores ou dentro da Reserva Ecológica Ilha dos
Lobos, a menor do Brasil. A preocupação é centrada no fato de que,
nos dias de grandes ondulações, o surf na ilha tem sido realizado
através do tow in, ou seja: até hoje, os surfistas –
inclusive os mais renomados campeões em ondas grandes - conseguiram
descer as vagas descomunais somente com ajuda de jet-skis, que os
rebocaram até entrarem nas ondas, antes delas quebrarem bruscamente
sobre a rasa bancada de pedras situada a quase 2 quilômetros da
costa em Torres.
Os impactos ambientais do uso de jet-skis são óbvios: os
veículos largam combustível e/ou óleo no mar, produzem forte odor e
podem comprometer as ovas de peixes pelo movimento de água, sem
falar na poluição sonora e no risco de colisão com a fauna. Esses
fatores se agravam no caso do tow-in em frente à Ilha dos
Lobos, pois é a única ilha marítima do Rio Grande do Sul,
constituindo o limite norte da distribuição das colônias de lobos e
leões marinhos na costa atlântica da América do Sul (Vaz-Ferreira,
1965).
Anualmente, os mamíferos migram de seus centros reprodutivos
no Uruguai e Argentina em busca de descanso e alimento na ilha,
compartilhando-a com golfinhos, baleias e diversas espécies de aves.
O local apresenta, ainda, significativa variedade de inverterbrados
e peixes que pode ser comprometida com a invasão de veículos
motorizados.
As peculiaridades ambientais do local justificam medidas
específicas para a sua proteção. O IBAMA, órgão responsável pela
reserva, proíbe a aproximação humana no raio de 500 metros da ilha,
com exceções a pesquisas científicas e atividades de educação
ambiental. Contudo, o cumprimento efetivo dessas normas muitas vezes
não acontece, repetindo a realidade na maioria das Unidades de
Conservação brasileiras.
Os órgãos encarregados pela proteção ambiental no Brasil
enfrentam precariedade notória.. Seja no combate ao desmatamento ou
na gestão de recursos pesqueiros, por exemplo, o IBAMA sempre
trabalhou com escassez de verbas, pessoal e de infra-estrutura
básica. E ainda encontra-se freqüentemente encurralado entre o dever
de zelar pelo patrimônio ambiental e os anseios imediatos das
populações humanas que demandam o uso dos recursos naturais,
geralmente de forma predatória, pela falta de conhecimentos sobre
sustentabilidade, entre outros motivos.
A conservação ambiental na Ilha dos Lobos e em seus arredores
é ou foi diretamente ameaçada por ações como a coleta de mariscos,
pesca, invasão por barcos de turistas e pela poluição do mar, sendo
que o abate de leões marinhos por pescadores também faz parte da
história da ilha. Os trabalhadores tentavam evitar prejuízos com a
destruição de suas redes pelos animais que as perseguem em busca dos
pescados em suas malhas.
Todos esses aspectos devem ser considerados quando se discute
o surfe nas imediações da Ilha dos Lobos. A biologia da conservação,
disciplina dedicada à manutenção de ecossistemas, espécies e
processos ecológicos, ensina-nos que devemos analisar os problemas
abordados sob perspectivas contextualizadas, no sentido de prever
cenários resultantes de determinados procedimentos, para então
podermos tomar as decisões de acordo com as opções que parecerem
mais ou menos adequadas.
No caso do surfe na ilha, pode ser exigida a simples
continuidade da proibição. Nessa hipótese, é previsível que o
problema continue, pois os surfistas de ondas grandes dificilmente
iriam desisitir da onda, mesmo sujeitos a penalidades pela
transgressão à lei, enquanto os fiscais do IBAMA local iriam seguir
no esforço (que poderia ser direcionado a outras tarefas) de autuar
os infratores. O ambiente, por sua vez, seguiria impactado, com
pouca ou nenhuma compensação pelos danos sofridos.
Outra opção poderia, talvez, ser a permissão ocasional da
prática limitada do esporte ao redor da ilha, após a realização de
estudos técnico-científicos que avaliassem a viabilidade da
atividade do ponto de vista ambiental, bem como de que maneiras os
impactos negativos poderiam ser evitados e compensados, inclusive
pelo pagamento de taxas por parte dos surfistas e empresas
relacionadas ao esporte. Os recursos obtidos com os tributos
poderiam ser aplicados na gestão da reserva e, por que não, em
programas sociais direcionados aos pescadores e às comunidades
carentes de Torres. Nada mais justo, considerando que a indústria do
surfe obtém seus lucros graças ao oceano e suas ondas.
Essas medidas, entretanto, só seriam possíveis com a mudança
de categoria de Unidade de Conservação em que está enquadrada a Ilha
dos Lobos: de Reserva Ecológica, que proíbe qualquer ação humana na
unidade, exceto as de cunho científico e educacional, a ilha
passaria a Refúgio de Vida Silvestre, que possibilita outras
atividades, desde que não comprometam os objetivos conservacionistas
da unidade e que estejam de acordo com as regras estabelecidas no
seu Plano de Manejo. Já as taxas cobradas precisariam ser aplicadas
localmente, ao contrário de serem diluídas no “caixa único” do IBAMA
.
Se, por um lado, a fauna da Ilha dos Lobos é, no mínimo,
importunada pelos surfistas e suas máquinas, por outro, a sua
proteção poderia ser garantida de forma mais efetiva se parcerias e
pactos fossem firmados entre as partes envolvidas – surfistas,
ambientalistas, pesquisadores, pescadores, fiscais e políticos
locais -, com o objetivo de colaborar na conservação da reserva.
De qualquer maneira, é necessária a realização de amplas e
francas discussões sobre o tema, com posições e comprometimentos
assumidos publicamente, partindo do fato inegável de que a ilha,
antes de paraíso do surfe, é e deve continuar sendo dos lobos e
leões marinhos, além das outras criaturas que habitam ou utilizam o
aglomerado de rochas basálticas resultante de derrames vulcânicos
ocorridos há cerca de 200 milhões de anos.