Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - AGAPAN |
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O tema foi denominado pelo diário paulista O Estado de São Paulo "o último grande debate do século" e a frase é irretocável. Em todo o mundo são acesas as controvérsias sobre os OGMs e o Brasil não é exceção, assim como o Rio Grande do Sul na Federação, dados os riscos ambientais e de saúde pública referidos por autoridades governamentais, ONGs, cientistas e ambientalistas, da liberação no meio ambiente e consumo pela população dos OGMs e seus produtos, o que é contestado pelo governo de países como os Estados Unidos, cientistas e grandes empresas detentoras e vendedoras da tecnologia e seus produtos. O Plenário e a Mesa Diretora do CES/RS, tendo clareza da importância de uma tomada de posição neste debate, solicitaram a elaboração de um documento e parecer sobre o assunto. Este é complexo e, mais, muito dinâmico, surgindo mudanças em curto espaço de tempo, tanto na temática como em posições dos contendores. O texto que segue é um sumário de diferentes aspectos, em especial no que diz respeito à saúde pública e ao meio ambiente.
SERES VIVOS, EVOLUÇÃO, GENÉTICA, MELHORAMENTO E ENGENHARIA GENÉTICA
A vida teve origem, em nosso planeta, há mais de três bilhões de anos atrás. A Evolução , no decurso de eras geológicas, plasmou sucessivamente, por processos seletivos, quando houve enormes transformações climáticas e geológicas, todas as espécies vivas hoje existentes, desde as bactérias, protozoários, fungos, animais marinhos, plantas, animais terrestres, até a espécie humana. Os seres vivos têm em comum, lembrando a sua origem evolutiva, o código genético, que guarda e transmite, de geração em geração, todas as informações necessárias para assegurar a transmissão vertical dos genes, (de uma geração para a seguinte) que permite a construção de cada tipo de ser vivo, com sua forma, cor, tamanho, proteínas típicas, ciclo vital, etc. GENES são trechos bem definidos do DNA, longo fio dobrado em dupla hélice e muito compactado em cada célula. Cada gene é responsável por um caráter do ser vivo, como cor dos olhos, síntese de insulina, de hemoglobina, etc. Na natureza existem barreiras muito eficientes, nos seres vivos superiores, contra a passagem horizontal da informação genética, ou seja, de uma espécie para outra, assegurando, por exemplo, que o cruzamento entre espécies diferentes não se efetive, ou que o DNA estranho à espécie, caso entre em uma célula, seja reconhecido e destruído. Durante milhares e milhares de anos, a Biotecnologia consistiu no hábil uso empírico dos processos de transmissão vertical, ou seja, naturais, da informação genética pela espécie humana. Foram, assim, modificadas características de plantas alimentícias, têxteis, ornamentais, de animais que fornecem leite, couros, proteínas, transporte, etc., ou, ainda, de levedos produtores de vinho e cerveja.
Técnicas denominadas de melhoramento genético, desde princípios do século XX , já empregavam (e ainda usam)a ciência da Genética clássica na Biotecnologia. Em 1973 teve início uma revolução científica quando a biologia molecular criou a chamada engenharia genética, ou tecnologia de DNA recombinante, que permite o isolamento e manipulação de genes de qualquer espécie e sua introdução em quaisquer outras, superando as barreiras acima mencionadas, em laboratório, de forma que os genes alienígenas funcionem no organismo receptor. Desta forma, genes isolados de bactérias, vírus, plantas e animais podem ser introduzidos em quaisquer outros organismos, de forma funcional.
Assim, genes humanos de hormônio de crescimento , de insulina, de interferon e de fator VIII anticoagulante, para citar só poucos exemplos, colocados em bactérias, produzem em escala comercial esses fármacos de largo emprego, o que tem sido amplamente divulgado. A possibilidade de tratar doenças genéticas introduzindo genes sadios no lugar de defectivos é uma perspectiva real, não mais uma fantasia. Os organismos com genes "enxertados" e seus produtos são, também, chamados transgênicos. Se a produção de fármacos e o transplante de genes com fins terapêuticos não desperta grande oposição, o caso de plantas e animais transgênicos é totalmente outro.
A GRANDE CONTROVÉRSIA: OGMS NA ALIMENTAÇÃO E NO MEIO AMBIENTE
O potencial de impacto da nova tecnologia, dos pontos de vista ético e ambiental, foi percebido por eminentes cientistas desde os primórdios da sua aplicação.
Já em 1975 ocorreu a conferência de Asilomar, Califórnia onde foram estabelecidos princípios éticos para as pesquisas com DNA recombinante, como, por exemplo, a proibição de manipular seres humanos.
Até fins de 1997 foram introduzidas nos mercados mundiais mais de 11.000 OGMs vegetais, o que despertou forte reação de cientistas e ambientalistas, preocupados com os riscos de saúde pública e ambientais trazidos pelo consumo de alimentos transgênicos e pela liberação no meio ambiente de plantas GM.
No Brasil, um caso em particular, pela iminência da liberação para plantio, apesar de falhas apontadas nos testes e do descumprimento de normas legais, polariza os debates e pode ser destacado como exemplar: as sementes de soja RoundupReady, ou soja RR, da MONSANTO. Este cultivar (nome que designa uma variedade vegetal obtida por melhoramento) é atualmente um dos trunfos comerciais mundiais da transnacional, que apregoa superioridade da soja RR sobre a variedade não transgênica, dos pontos de vista ambiental e econômico, sendo ainda essencialmente equivalente em termos de composição dos produtos derivados, tais como o óleo, as proteinas e a lecitina.
Todas essas afirmativas estão sendo contestadas por fontes insuspeitas. O próprio Secretário de Agricultura dos Estados Unidos, antes um incondicional adepto dos OGMs agrícolas, já afirmou que o plantio de OGMs como a soja RR pelos agricultores americanos, a qual está atrelada ao uso de um herbicida da mesma empresa detentora da patente da soja RR, pode vir a criar um novo tipo de servidão entre os pequenos agricultores do país.
LEGISLAÇÃO ESTADUAL E FEDERAL SOBRE OGMS
Reconhecendo o potencial de risco humano e ambiental dos OGMs, o Governo do Estado do RS promulgou a Lei 9.453/91, de 10 de dezembro de 1.991, que exige notificação ao Poder Executivo de pesquisas, testes ou experiências na área de Biotecnologia e da Engenharia Genética.
No âmbito federal, o Congresso promulgou a Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1.995, que estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de OGMs e autoriza a criação da CTNBio, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, que deve zelar pela aplicação, em todo o território nacional, de normas estritas de biossegurança.
Na prática, porém, este órgão não tem pessoal ou verbas suficientes para o desempenho de sua missão. Além disto, a própria MONSANTO integra a CTNBio, o que motivou críticas veementes do Presidente da SBPC que, além disto, reivindica mudanças na composição daquele órgão, para torná-lo mais representativo da comunidade científica e da sociedade em geral.
Qual a origem dos riscos apontados ao meio ambiente e à saúde pública, oriundos do consumo e liberação na natureza dos OGMs ? Segundo a Dra. Eliana M.G.Fontes, da EMBRAPA-CENARGEN, no Boletim Nº 1 da CTNBio, em artigo intitulado "TEMAS ATUAIS - Biossegurança de Biotecnologias-Breve Histórico": ..."A falta de experiência com...os OGMs e o potencial deste organismos para causar certos efeitos adversos, como resultado dos genes altamente alienígenas inseridos em seus genomas (nosso grifo) são a base das regulamentações de biossegurança."
Ao final do artigo, diz a Dra.Eliana: "Uma vez que o resultado das interações entre o OGM e o meio ambiente alvo não pode ser sempre previsto, particularmente para microorganismos e para ambientes aquáticos, solo e regiões com características ecológicas diferentes, as liberações em ambientes onde experiência ainda precisa ser adquirida devem ser feitas com cautela e precaução, mesmo para os OGMs caracterizados como não-regulamentados ou de baixo risco nos Estados Unidos."
Para finalizar, vejamos os riscos que têm sido apontados, ou percebidos, da liberação no meio ambiente de OGMs e consumo dos mesmos e seus produtos, segundo o mais categorizado estudo já feito, intitulado "TOO SOON MAY BE TOO LATE" (CEDO DEMAIS PODE SER TARDE DEMAIS) feito para o governo norueguês( 106 páginas, 329 referências) publicado em janeiro deste ano: O relatório dá ênfase a um fato inconteste: a escassez de estudos sobre o comportamento ambiental de OGMs.
Em um caso, OGMs colocados em um campo experimental mataram plantas de trigo, um resultado inesperado. O autor cita diversas pesquisas que apontam o risco de infeção genética, ou transferência genética horizontal, de DNA com capacidade invasiva, de superar barreiras entre espécies diferentes, colocando genes alienígenas em espécies selvagens ou cultivadas, os quais podem espalhar resistência a antibióticos, agrotóxicos ou produtos biocidas em bactérias e plantas em geral.
Alguns eventos adversos inesperados apontados: a) leite de vacas tratadas com hormônio transgênico BGH para aumentar a produção de leite produzem no mesmo elevação de teor de uma substância chamada IGF-1, que pode levar a um acréscimo no risco de câncer de seio; b) um gene de proteína de castanha do Pará inserido em soja provocou alergia em pessoas alérgicas à castanha do Pará; c) o aminoácido l-triptofano produzido por uma bactéria transgênica causou a morte de 37 pessoas e doença grave em 1.500 outras; d) um levedo GM, engenheirado para aumento de eficiência na fermentação, produziu acúmulo de uma substância tóxica no meio; e) já foi observada transferência de genes entre plantas GM e espécies afins, na natureza, o que seria o caso da passagem de genes de resistência a herbicidas, por ex., entre o arroz cultivado e o arroz vermelho, nas culturas do cereal no RS.
PARECER
Tendo em vista o que ficou acima exposto, o nosso parecer ao Plenário do CES/RS é de que, em vista da falta de estudos sobre os efeitos ambientais e sobre a saúde humana de OGMs e seus produtos, peça-se às Secretarias de Saúde e de Meio Ambiente, bem como ao Poder Legislativo, a adoção de normas e instrumentos legais, respectivamente, para, aplicando a legislação existente e usando as atribuições conferidas aos Estados pela Constituição Federal de legislar supletivamente, tomar as seguintes medidas:
Exigir, para que seja feita liberação de plantio de OGMs no Estado, Estudo Prévio de Impacto Ambiental, em cada ecossistema ou, na falta deste, moratória na liberação, até que seja comprovada equivalência de impacto entre o OGM e sua espécie original.
Determinar a rotulagem dos produtos alimentícios, de higiene ou cosméticos, que contenham substâncias derivadas de OGMs.
3 de agosto de 1.999